Sempre que questionado sobre a dificuldade de apresentar resultados de seu terceiro governo e reverter a queda na popularidade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destaca que 2023 e 2024 serão anos de “plantio”, com a implementação de reformas e a retomada de programas descontinuados pela administração anterior, enquanto 2025 será o ano da “colheita” dos resultados. No entanto, essa metáfora pode não refletir adequadamente a situação, pois um dos principais focos de resistência ao seu governo se encontra no setor agrícola. Recentemente, a relação entre o governo e o agronegócio se deteriorou ainda mais devido a declarações e ações controversas, aumentando as críticas ao governo e colocando sob escrutínio o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que foi designado para atuar como intermediário entre o governo e o setor.
A mais recente crise teve o ministro diretamente envolvido. Diante de uma imagem negativa exacerbada pelo aumento dos preços dos alimentos, o Tesouro Nacional anunciou a suspensão de novas linhas de financiamento agrícola do Plano Safra, que o governo havia promovido como o “maior da história” em julho. A justificativa para essa decisão, uma surpresa para muitos, foi o aumento dos custos para equilibrar os juros devido ao atraso na votação do Orçamento de 2025 no Congresso. Essa medida teve impacto significativo sobre os grandes produtores, embora os pequenos produtores tenham sido ressalvados, uma vez que as operações do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) não foram afetadas. Ao explicar a suspensão, Fávaro fez críticas ao Congresso e à bancada ruralista, pedindo que parassem de “conversa fiada” e colaborassem na aprovação da lei orçamentária. Em resposta, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) publicou uma nota afirmando que a suspensão foi resultado da irresponsabilidade fiscal do governo e da desvalorização da moeda.
O governo rapidamente acionou um plano de contenção diante da deterioração da imagem pública, com monitoramentos nas redes sociais revelando rumores de que o Plano Safra estaria prestes a ser descontinuado. Para evitar o mesmo tipo de repercussão negativa que ocorreu anteriormente com uma medida relacionada ao Pix, os ministros se apressaram em assegurar que o financiamento continuaria. Quatro dias após o anúncio inicial, foi editada uma medida provisória que destina 4,18 bilhões de reais em crédito extraordinário para garantir a continuidade do Plano Safra, em uma decisão que envolveu consultas entre a equipe econômica e o Tribunal de Contas da União. Embora a medida tenha trazido um alívio temporário, o setor agrícola permaneceu apreensivo quanto ao futuro planejamento do Plano Safra, que ainda não foi discutido.
A recente controvérsia tem dificultado gravemente a comunicação do governo com o setor agropecuário, especialmente em relação à sua representação no Congresso. As declarações de Fávaro em relação à bancada agrícola prejudicaram sua posição junto à FPA, que conta com 302 dos 513 deputados. O presidente da FPA afirmou que, no atual cenário, o interlocutor preferencial para tratar de questões relacionadas ao setor será o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Esta mudança de interlocução enfraquece Fávaro em um momento em que Lula considera realizar mudanças em sua equipe ministerial. Fávaro, que já ocupou cargos significativos no setor, anteriormente enfrentou crises relacionadas à alta dos preços de alimentos e falhas na realização de leilões de commodities.
As tensões recentes consolidam as divisões entre o governo e um setor que expressou forte apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. O agronegócio mantém agenda que é frequentemente oposta às posições defendidas por Lula e pelo PT, como a demarcação de terras indígenas e a reforma agrária. No Congresso, as forças do agronegócio estão envolvidas em propostas que buscam limitar a demarcação de terras e combater ações de movimentos sociais, como o MST. Um deputado da oposição destacou que o bloco ruralista é caracterizado por sua coesão e por suas bandeiras claras, em contraste com a base de apoio do governo, que é considerada fragilizada.
A deterioração da relação entre o governo e o setor agrícola tem amplas implicações. O agronegócio é um dos pilares da economia brasileira, representando 22% do PIB e 30% dos empregos no país, além de desempenhar um papel significativo na balança comercial. Esse esgarçamento nas relações também pode propiciar o fortalecimento de vozes do setor que se opõem ao governo atual.
Enquanto a crise se desenrolava, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se aproximou do setor agropecuário durante um evento político, onde críticas ao governo federal foram feitas. Líderes do setor reconheceram a importância de Tarcísio para suas alianças políticas, enquanto o governador criticou a suspensão do Plano Safra, afirmando que em seu estado não há falta de recursos para o agronegócio.
A falta de uma comunicação eficaz e os mal-entendidos por parte do governo em relação a um setor estratégico não são novos, mas continuam a ser uma preocupação constante. Considerando a importância econômica do agronegócio, a necessidade de uma gestão que priorize este segmento se faz cada vez mais evidente, especialmente diante do frágil apoio político que a administração atual possui no Congresso. A relação com a bancada ruralista, que hoje apresenta um dos mais baixos níveis de apoio ao governo, pode ter consequências potencialmente adversas no futuro, conforme alertado por representantes do setor.