Há duas décadas, João Goulart foi deposto no Brasil por um golpe militar organizado pelo marechal Castelo Branco. Tanto Goulart quanto seu cunhado, Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul, se estabeleceram no Uruguai, onde se integraram à vida local. Brizola, em particular, residiu no Uruguai até seu falecimento, gerenciando suas propriedades rurais e vivendo em Montevidéu, no bairro de Punta Carretas. Ambos apegavam-se às tradições gaúchas, com um estilo político reminiscentes dos antigos caudilhos do Rio Grande do Sul. A transição para a democracia ocorreu simultaneamente nos dois países em março de 1985.
José Sarney tornou-se uma figura relevante nesse contexto histórico, especificamente durante os dias 14 e 15 daquele mês, quando a grave diverticulite impediu Tancredo Neves de assumir a presidência. O debate sobre a constituição do poder naquele momento era intenso, considerando se havia vacância ou acefalia, o que poderia levar à interinidade de Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara dos Deputados. A decisão recaiu sobre Sarney, o vice-presidente eleito, que assumiu a presidência interinamente, tornando-se definitivo após a morte de Tancredo Neves. Durante esses momentos delicados, Sarney demonstrou atributos de estadista, revelando-se sereno, prudente e atendo às normas, consolidando sua imagem como um destaque na presidência.
O Brasil, sob a liderança de Sarney, buscou se abrir a diversas liberdades e fortalecer laços com países vizinhos. Um exemplo significativo disso foi a oferta ao presidente argentino Raúl Alfonsín para uma visita às instalações de pesquisa nuclear no Brasil, como forma de eliminar desconfianças mútuas entre as forças armadas dos dois países. Alfonsín reciprocou ao permitir uma visita ao programa nuclear argentino, promovendo uma relação pessoal que rapidamente se expandiu para incluir a participação do Uruguai.
Dessa maneira, foram estabelecidas as bases para a formação do Mercosul, um processo de integração que atingiu seu apogeu entre 1991 e 1999, embora tenha enfrentado estagnação em anos subsequentes, em grande parte devido a violações de acordos por governos peronistas na Argentina. É amplamente reconhecido que a modernização das estruturas desse bloco regional é essencial para que se adapte às exigências contemporâneas.
Assim, Brasil, Argentina e Uruguai mantiveram uma amizade sólida ao longo dos últimos 40 anos. Entre eles, Sarney se destacou não apenas como político, mas também como autor, transitando por um diverso espectro de temas, do regionalismo às novelas históricas europeias. Sua residência em São Luís do Maranhão abriga uma biblioteca impressionante, evocando a de O Nome da Rosa, obra de Umberto Eco, e refletindo sua ampla personalidade, que combina compromisso político e uma paixão pela intelectualidade.
Durante essas quatro décadas, nenhum dos três países se afastou dos principios constitucionais, apesar das recorrentes crises econômicas que enfrentaram, incluindo renúncias e julgamentos políticos de presidentes. No Uruguai, a estabilidade política foi mais pronunciada, observando-se a alternância de governos entre os três principais partidos: Partido Colorado, Partido Nacional e Frente Ampla. Recentemente, a Coalizão Republicana, que unia as duas siglas tradicionais, encerrou seu ciclo. Apesar de pesquisas revelarem a popularidade alta do presidente que deixa o cargo, Luis Lacalle Pou, a recente eleição destacou novamente a alternância de poder com a volta da Frente Ampla ao comando, com Yamandú Orsi assumindo em 1º de março.
Aquela data em Brasília representou um marco histórico e foi celebrada em um ambiente de paz e liberdade, contrastando com circunstâncias globais que suscitam inquietação. O mundo passou por uma pandemia, que evidenciou a falta de solidariedade internacional, e enfrenta guerras desencadeadas por agressões violentas. Atualmente, observam-se mudanças geopolíticas bruscas que dividem o Ocidente, decorrentes de ações de um governo norte-americano pautado por interesses nacionalistas. O futuro em relação a essas transformações permanece incerto. Assim, é imperativo que se preze pela preservação dos valores e conquistas construídos ao longo dos anos de democracia.