Regras sobre casamento, reprodução assistida e o uso de inteligência artificial no Brasil estão sendo atualizadas por meio de uma proposta de reforma do Código Civil, que está atualmente em análise no Senado. Este projeto, elaborado por uma comissão de juristas, introduz inovações significativas, incluindo normas sobre direitos digitais e uma ampliação do conceito de família. A proposta foi apresentada oficialmente em janeiro deste ano pelo senador Rodrigo Pacheco, que criou o grupo responsável pela revisão das normas em 2023. O Código Civil vigente data de 2002 e representa a segunda versão, sendo a primeira versão estabelecida em 1916. Essa legislação toca aspectos fundamentais da vida cotidiana da população, regulando questões relativas aos direitos da família, levantamento de heranças, contratos e dívidas.
Antes de iniciar a discussão nas comissões do Senado, a proposta de reforma precisa de um despacho da Presidência da Casa. Após a aprovação dos senadores, o projeto ainda deverá ser examinado pela Câmara dos Deputados.
Uma das inovações sugeridas é a legitimação das uniões homoafetivas no Código Civil, que já são reconhecidas no Brasil desde 2011, mas ainda não têm previsão legal. No que diz respeito ao divórcio ou dissolução de união estável, o projeto possibilita o pedido unilateral, podendo ser apresentado apenas por um dos parceiros. Este requerimento deve ser apresentado no Cartório do Registro Civil onde a união foi registrada, e a outra parte terá que ser notificada antes do registro definitivo.
Além disso, a reforma propõe estabelecer regras para a reprodução assistida, que envolve técnicas médicas para a manipulação de gametas e embriões. Atualmente, essas práticas são permitidas por resoluções do Conselho Federal de Medicina, mas carecem de legislação específica. Entre as novas normas, destaca-se a exigência de que doadores de gametas sejam maiores de 18 anos e tenham manifestado claramente sua intenção de doar. O texto ainda prevê que os dados dos doadores e receptores devem ser mantidos em estrito sigilo.
Os embriões congelados não poderão ser descartados, e poderão ser utilizados para pesquisas ou transferidos para pessoas que necessitem de material genético. A proposta também determina que a cessão temporária de útero, ou “barriga solidária”, deva ser feita sem fins lucrativos e preferencialmente por parentes dos autores do projeto parental.
Em relação à herança, a proposta inclui bens digitais de valor econômico às heranças, abrangendo senhas, contas em redes sociais, arquivos e outros ativos digitais. Além disso, muda a ordem de vocação hereditária, excluindo cônjuges e companheiros do direito de partilhar a herança com filhos ou pais do falecido.
Com relação à inteligência artificial, o projeto estabelece que seu uso em serviços digitais deve ser claramente identificado, respeitando padrões éticos e direitos da personalidade, com foco em segurança e confiabilidade. Também busca unificar as normas sobre direito digital, introduzindo conceitos como “herança digital”, que abrange ativos digitais.
A reforma ainda menciona possíveis proibições para “hospedagem atípica” por meio de plataformas digitais, impactando modelos de locação como o Airbnb. No caso de condomínios residenciais, o aluguel nesse formato só será permitido se houver autorização na convenção condominial ou por meio de votação entre os condôminos.
Outros assuntos abordados incluem regras sobre doação de órgãos, permitindo a doação por falecidos com autorização expressa, e a proteção jurídica dos animais, reconhecendo-os como seres sencientes.
A comissão de juristas que trabalhou na proposta foi formada em agosto de 2023 e atuou até abril de 2024, composta por 37 membros e presidida pelo vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça. O Senado lançou um livro detalhando a proposta de reforma e os trabalhos da comissão, com a presença de autoridades e ministros do STF no evento de lançamento.