Era esperado que as possíveis controvérsias em torno do uso de peles fossem resolvidas, especialmente após duas décadas de protestos organizados por entidades como a Peta, que defende os direitos dos animais. O movimento resultou em uma redução significativa na production de vestuário feito de peles de focas, chinchilas, raposas e linces, com um declínio de 85% nos últimos dez anos. Em 2023, mais de 20 milhões de animais foram mortos para a indústria de peles, uma queda considerável em comparação aos 140 milhões registrados em 2014. Além disso, o número de fazendas de peles na União Europeia diminuiu de 4.350 em 2018 para 1.088 em 2023.
Apesar desse cenário positivo, a utilização de peles voltou à tona, tanto em suas versões reais quanto sintéticas. Celebridades como Kendall Jenner, Hailey Bieber, Ice Spice, Kim Kardashian, Taylor Swift e Rihanna foram vistas recentemente com casacos de pele. Esta tendência também se manifestou nas passarelas das coleções de outono e inverno de marcas renomadas, como Tory Burch, Simone Rocha, Fendi e Miu Miu. Mesmo a estilista uruguaia Gabriela Hearst, conhecida por seu compromisso com a sustentabilidade, incorporou peles antigas de vison em suas novas criações. Marcas como Prada e Dolce & Gabbana reintroduziram esse material em suas coleções apresentadas na recente Semana de Moda de Paris.
O retorno do uso de peles desafia o discurso de sustentabilidade que ganhou popularidade nos últimos anos. Existe uma intersecção entre a moda e um crescente movimento conservador global, onde questões frequentemente defendidas por visões mais progressistas, como a proteção ambiental e políticas afirmativas, têm sido ignoradas. As empresas, em sua maioria, permanecem em silêncio, concentradas nas oportunidades de negócio. Apenas a Fendi, que historicamente favorece produtos de origem animal, manifestou apoio às tradições, enfatizando a importância de um manejo ético. A controversa produção de peles sintéticas também é criticada, pois, embora apresentadas como alternativas sustentáveis, contribuem para a poluição devido à utilização de microplásticos não biodegradáveis.
A nostalgia em relação ao uso de peles ressurgiu em 2024, após um período de quase uma década em que essa questão havia sido minimizada. O TikTok teve um papel significativo nesse retorno, promovendo a estética conhecida como “mob wife”, que evoca o glamour das esposas de mafiosos, com casacos de pele, estampas animais, acessórios dourados e penteados volumosos, inspirados em personagens icônicas da cultura pop. A celebração do 25º aniversário da série “Família Soprano” e um inverno rigoroso nos Estados Unidos também contribuíram para esse renascimento.
Para atenuar as críticas sobre essa reviravolta, algumas soluções têm sido propostas, como o consumo de peças vintage e usadas, que promovem a moda circular. No Brasil, estilistas como Fábio Souza e Lino Villaventura têm adotado peles antigas em suas coleções. Entretanto, embora essa abordagem possa ser considerada um avanço, ainda enfrenta resistência. Claudia Castanheira, ativista do Fashion Revolution Brasil, observa que a problemática da cadeia produtiva permanece, independentemente da reutilização dos materiais.
Diante das discussões sobre o uso de peles, surge a questão de como avançar, uma vez que a preferência por esses materiais não pode ser erradicada simplesmente por decreto. Algumas iniciativas estão sendo desenvolvidas: a LVMH, por exemplo, investe em fibras de pele cultivadas em laboratório, enquanto a Savian está apostando em alternativas vegetais, adotadas por marcas como Stella McCartney. Outras empresas estão utilizando plumas e poliéster reciclados, que apresentam menor impacto ambiental. Em uma época marcada por desafios ambientais, a contínua adoção de peles, sejam de origem animal ou sintéticas, é vista por muitos como ultrapassada. A decisão final sobre o futuro deste setor dependerá das escolhas dos consumidores.
