“É imprescindível que certas funções permaneçam sob a responsabilidade do Estado”, foi a declaração feita durante uma visita à Telebras em Brasília. A expressão “devem ser” é notável. De fato, existem funções estatais devido à sua natureza intrínseca, como o Exército e a Receita Federal. Entretanto, a classificação de uma empresa de telecomunicações como essencialmente estatal levanta questionamentos. A experiência com a Embraer é um exemplo ilustrativo. Inicialmente considerada uma questão de “segurança nacional”, a privatização da empresa levou ao seu sucesso global, gerando uma quantidade significativamente maior de empregos diretos em comparação ao passado, mesmo em um contexto de avanço tecnológico. A Embraer se tornou um símbolo de orgulho nacional, sem comprometer a soberania do país.
Recentemente, discutiu-se o déficit de 6,7 bilhões de reais das estatais para o ano de 2024. Entre as que estão em prejuízo, os Correios destacam-se com um déficit de 3,2 bilhões de reais. As justificativas para essa situação variam, algumas atribuindo a culpa à administração anterior, outras mencionando a queda nas encomendas da China. Um secretário do governo ressaltou a necessidade de desenvolver negócios que gerem receitas. O que suscita curiosidade é a resistência à privatização. Em 2021, a Câmara havia aprovado a privatização dos Correios, mas o processo foi interrompido após as eleições. A atual situação representa um ônus para os contribuintes, levantando a indagação: se a experiência com privatizações foi geralmente positiva e os cidadãos arcão com os custos da ineficiência, por que ainda persiste tanta resistência?
A resistência a mudanças pode ser atribuída a uma concepção histórica de um Estado grande e paternalista, que remonta ao período do Estado Novo e ao apogeu do milagre econômico brasileiro. Uma possível explicação é a chamada “síndrome dos anos 1990”, que sugere que as privatizações foram implementadas rapidamente, sem uma mudança cultural correspondente. Embora os governos da época tenham conquistado avanços nas privatizações, a retórica política e ideológica, associada à esquerda, conseguiu perpetuar uma narrativa crítica em relação a essas reformas.
Uma das ideias centrais nesse contexto é a noção de que as estatais são “estratégicas”. No caso da Telebras, argumenta-se que a empresa guarda segredos administrativos essenciais e que sua função é fundamental para discutir tópicos como inteligência artificial. Essa alegação levanta questionamentos sobre a incapacidade do país de participar desse debate sem a intervenção da estatal. Exemplos como o Porto Digital em Recife, que abriga mais de 430 empresas de tecnologia de forma privada e produtiva, provam que iniciativas privadas podem prosperar e gerar resultados positivos em áreas que alegadamente requerem gestão estatal.
Nos aeroportos, a resistência à privatização foi similar. Inicialmente considerados essenciais, acabaram sendo concedidos, resultando em melhorias significativas no serviço. Ao longo do tempo, a situação se repetiu no setor de telefonia, onde os altos custos para a instalação de linhas fixas se transformaram em um típico exemplo de como a privatização pôde beneficiar os consumidores. As previsões sombrias que circularam na época se mostraram infundadas, assim como as narrativas contemporâneas sobre a venda de estatais.
A confusão entre o “público” e o “estatal” frequentemente perpetua essa resistência. Um exemplo recente é a concessão do Parque Ibirapuera em São Paulo. Com uma gestão anteriormente ineficiente, a concessão resultou em um investimento inicial de 70 milhões de reais e melhorias substanciais nos serviços, mantendo o acesso gratuito ao público. Situações semelhantes ocorreram em outros setores, como a saúde, onde serviços de qualidade podem ser administrados por gestões privadas.
Os verdadeiros desafios enfrentados pelo país envolvem a busca por resultados efetivos. Isso inclui a redução da pobreza, a melhoria na educação e o acesso a serviços básicos de saúde, em vez de se prender à retórica associada ao papel histórico do Estado. O que se considera estratégico deve ser mensurado em função dos resultados civis alcançados e não da preservação de estruturas estatais que possam ter se tornado obsoletas.
A modernização das funções estatais é frequentemente vista como uma agenda elitista, mas, na verdade, é uma questão de necessidade para os mais vulneráveis, pois são eles que mais dependem de serviços públicos de qualidade. Para efetuar uma mudança significativa, seria essencial retomar as discussões iniciadas nas décadas passadas e reavaliar o que é verdadeiramente estratégico para o desenvolvimento do Brasil. O conhecimento necessário para essa reflexão já existe, e a resistência a mudar paradigmas se revela como um dos principais obstáculos para o avanço do país.