Há um gesto silencioso que perdura ao longo dos séculos: ao lado do corpo de um papa, é colocada uma bolsa de moedas. Este ato não possui o propósito de ornamentação ou exibição, mas serve como um símbolo de lembrança.
Esse gesto remete a um período em que deuses e humanos ainda interagiam, quando Caronte, o barqueiro, demandava uma moeda para conduzir as almas pelo rio obscuro. A moeda, depositada na boca do falecido, representava uma oferenda para o caminho ao além.
A Igreja, ao traduzir esses símbolos antigos, apropriou-se da moeda. Após receber o batismo, ela passou a simbolizar não mais o custo da travessia, mas o peso da vida; não mais a compensação pelo medo, mas a confissão da própria existência.
Durante o funeral papal, as moedas representam os anos de reinado: uma para cada ano, gravadas como testemunhas silenciosas de ações, omissões e bravuras. No momento final, o papa, que vestiu a púrpura e abençoou milhões, revela-se simplesmente como um servo.
Ao lado da bolsa, um pergaminho redigido em latim registra o que já é conhecido pela eternidade: um nome, uma vida, um pontificado. As vestes litúrgicas, que outrora reluziram sob cúpulas douradas, agora envolvem apenas um corpo que retorna à terra. O pálio, símbolo da missão, é cuidadosamente dobrado.
Na morte do papa, não há coroas, apenas simplicidade e uma rosa branca, que representa as graças recebidas.
A bolsa de moedas não possui poder de compra ou peso na balança celestial; não abre portas. Sua função é testemunhar. É um reconhecimento de que mesmo as figuras mais proeminentes devem se apresentar despojadas frente ao mistério da vida e da morte.
É interessante observar que esse gesto, originado em uma mitologia pagã e refletido entre os romanos, sobrevive até hoje no ritual de despedida do sucessor de Pedro. Essa cerimônia sussurra verdades que podem ser desconfortáveis: não compreendemos tudo, o escolhido pelo Espírito Santo não está isento de julgamento e mesmo o ungido deve prestar contas.
A fé, portanto, não se baseia em certezas, mas em incertezas, em respostas parciais e símbolos que falam em linguagens que já não reconhecemos. E talvez seja assim porque, ao final, em face da vida e da morte, do que fomos e do que permanecerá desconhecido, tudo o que nos resta é aceitar — com reverência, espanto e silêncio — aquilo que nos escapa à compreensão.