2 maio 2025
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Mapas Históricos: A Chave para Evitar Enchentes no Futuro

A cartografia e os mapas históricos apresentam um significativo potencial para contribuir com o desenvolvimento sustentável e humanizado das cidades e do planeta. Esses recursos contêm um vasto acervo de informações sobre a história dos territórios, podendo servir como instrumentos valiosos para o planejamento urbano, a gestão de riscos e a promoção da igualdade étnico-racial, sempre que suficientemente estudados e utilizados.

Essa abordagem foi reforçada na Agenda 2030, que reúne os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela ONU. No Brasil, há a proposta de um 18º princípio voltado para a igualdade étnico-racial, apresentada pelo governo federal.

A cartografia, que emergiu no final do século XIX, foi acelerada nas últimas décadas pelo avanço das tecnologias digitais, como o GPS e os Sistemas de Informação Geográfica (SIG). O uso disseminado de smartphones também elevou essa tendência. Nos últimos quinze anos, a cartografia e os mapas se firmaram como ferramentas de pesquisa em diversos campos das ciências humanas, sociais, aplicadas, ecológicas e urbanísticas, com uma amostra de 455 artigos publicados na Plataforma CAPES evidenciando essa expansão. Aproximadamente 81% desses artigos foram produzidos entre 2010 e 2025, destacando uma subutilização da cartografia histórica no Brasil, embora essa ferramenta seja reconhecida como importante para abordar urgências contemporâneas, como desigualdade étnico-racial e transformações climáticas.

Embora os termos cartografia e mapas sejam frequentemente associados, eles representam processos distintos. A cartografia compreende estudos e práticas científicas, técnicas e artísticas fundamentadas em observações ou documentos. É um campo abrangente, incluindo cartografia escolar, histórica, social, participativa, entre outras. A cartografia histórica, especificamente, relaciona-se com o uso de mapas antigos, elaborados em suporte físico, como papel ou pergaminho, bem como aqueles desenvolvidos originalmente em formato digital.

Atualmente, diversas iniciativas nos campos do urbanismo e das políticas públicas demonstram que os mapas históricos são fontes de informação valiosas e não devem ser limitados a historiadores ou colecionadores. Um número crescente de pesquisadores está utilizando mapas antigos, disponíveis em coleções físicas e digitais, com o apoio de Sistemas de Informação Geográfica e outras fontes, para extrair informações sobre recursos hídricos, dados paleogeográficos, ações humanas ao longo do tempo, entre outros.

Um exemplo notável é o “Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes”, elaborado em 1943, que funciona como uma ferramenta estratégica em prol da igualdade étnico-racial. Na Universidade Estadual Paulista (UNESP), um projeto busca catalogar e disponibilizar mapas antigos produzidos por missionários, facilitando o acesso a esses materiais por comunidades, lideranças indígenas, ambientalistas e ecologistas. Este trabalho é realizado por uma equipe composta por estudantes de graduação e pós-graduação.

Os mapas criados por missionários refletem a perspectiva indígena do Brasil e foram essenciais para registrar informações sobre o meio ambiente e os modos de vida dos grupos indígenas. Esses dados podem ser cruciais para projetos relacionados à igualdade étnico-racial, necessitando de uma análise crítica para evitar estigmas e estereótipos.

Mapas do século XVIII, utilizados por engenheiros militares, contêm dados valiosos sobre ocupações humanas e nomes antigos de cursos d’água, fundamentais para identificações de traçados fluviais perdidos. Um projeto recente revelou um esboço de 1772 representando uma comunidade indígena no sul do Brasil, evidenciando a importância histórico-cultural deste material.

Embora a cartografia e os mapas históricos tenham sido negligenciados no planejamento urbano do século XX, essa situação está mudando. Na Espanha, pesquisadores defendem a utilização desses recursos na gestão de riscos, como enchentes. No Brasil, o grupo Hímaco, do Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal de São Paulo, disponibilizou mapas históricos que ajudam na elaboração de projetos de gestão de riscos de enchentes.

A equipe catalogou as principais enchentes ocorridas em São Paulo entre 1870 e 1940, permitindo a recuperação de antigas morfologias e rios da cidade. Um exemplo é a Planta Geral da Cidade de São Paulo de 1913, que revela a presença de um vale fluvial em uma área atualmente ocupada por uma estação de metrô. Recentemente, uma forte chuva evidenciou essas características geográficas, resultando em alagamentos significativos.

No município de São Paulo, onde um terço do território ainda é rural, rescatar práticas antigas pode oferecer soluções para a gestão de inundações, aproveitando precipitações para irrigação. Diante da importância dessas fontes de informação para pesquisa e planejamento urbano, é essencial a formação de profissionais capazes de utilizá-las adequadamente. A inclusão de mapas históricos no ensino médio e superior pode capacitar gestores e cidadãos para uma compreensão mais profunda da dinâmica territorial e na formulação de ações de mitigação de riscos de maneira eficaz e sustentável. Assim, a batalha contra as mudanças climáticas globais deve incorporar também o conhecimento local, que é preservado na história das águas e nos mapas históricos.

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