A aprovação final da reforma tributária, no início deste ano, que reformulou o sistema de impostos sobre o consumo no Brasil, representa um marco significativo para o país. Esta nova legislação visa simplificar e modernizar a cobrança de tributos sobre bens e serviços, contribuindo para que o Brasil se aproxime de modelos mais eficientes utilizados por economias desenvolvidas e reduza distorções que afetam a produtividade. Entretanto, a tributação sobre o consumo é apenas um aspecto do complexo sistema fiscal. A próxima questão a ser abordada é o imposto sobre a renda, que ainda apresenta injustiças e complexidades que exigem correção imediata.
Atualmente, a estrutura do imposto de renda no Brasil é considerada inadequada em comparação com as melhores práticas globais. O sistema funciona de forma piramidal, onde os mais ricos contribuem proporcionalmente menos, enquanto a classe média e trabalhadores de baixa renda enfrentam uma carga tributária excessiva. Essa situação compromete a equidade fiscal, reduz o poder de compra dos cidadãos com orçamento limitado e compromete a competitividade da indústria, além de perpetuar desigualdades sociais.
Nos últimos três décadas, a carga tributária no Brasil aumentou de 25% para 32% do produto interno bruto (PIB), refletindo o crescimento dos gastos públicos. A diminuição de tributos, portanto, está condicionada à redução das despesas do Estado. No entanto, isso não é suficiente; é crucial confrontar as distorções dentro do sistema. Especialistas apontam que, além de pessoas com rendimentos mais altos pagarem menos, indivíduos com rendimentos similares têm cargas tributárias desiguais devido à complexidade das regras fiscais.
O governo já iniciou uma nova fase da reforma tributária centrada no imposto de renda. Em março, um projeto de lei foi apresentado visando mudanças na tributação sobre pessoas físicas, embora a proposta seja limitada e não possa ser considerada uma reforma abrangente. O foco principal é isentar do imposto de renda aqueles que ganham até 5.000 reais mensais. Para compensar a perda estimada em 25 bilhões de reais, o governo propõe criar uma alíquota mínima de 10% para rendimentos anuais acima de 1,2 milhão de reais. Essa medida, embora não ideal, pode contribuir para uma distribuição mais justa dos tributos.
Entre as distorções existentes na tributação da renda, destaca-se a isenção dos dividendos, que representa uma parte significativa dos lucros repassados aos acionistas. Esse benefício é raro e se limita a poucos países. Os estudos mostram que, para os 5% mais ricos, uma proporção menor de seus rendimentos é taxada, favorecendo a isenção dos dividendos em detrimento do salário tributado. Como resultado, a alíquota efetiva do imposto de renda é extremamente baixa para os mais ricos.
A baixa tributação sobre a renda implica que o governo depende de impostos sobre o consumo, onde cerca de 40% da arrecadação total provém dessa fonte. Em comparação, apenas 30% é oriundo da tributação sobre a renda, o que contrasta com os padrões da OCDE. Essa situação é considerada regressiva, uma vez que pessoas com menos recursos pagam os mesmos impostos sobre produtos básicos.
Outra questão relevante é a alta alíquota do imposto sobre os lucros retidos pelas empresas, que chega a 34%. Essa taxa é considerada uma das mais altas globalmente e dificulta a implementação da tributação dos dividendos. A proposta mais recente do governo busca estabelecer um teto para a soma dos impostos devidos pela empresa e pelo acionista, no entanto, essa medida enfrenta resistência devido ao impacto que pode ter sobre pequenos empresários.
Especialistas ressaltam que, mesmo com essa alíquota formal alta, muitas empresas acabam pagando menos devido a regimes especiais que permitem tributação reduzida sobre o lucro. Essa situação gera ainda mais desigualdade, já que muitos indivíduos com alta renda se beneficiam tanto de baixa tributação corporativa quanto da isenção pessoal. A construção de uma política tributária justa exige uma estrutura estatal eficiente que garanta que os recursos arrecadados sejam revertidos em serviços essenciais para a população. Os desafios a serem enfrentados nesse âmbito são significativos e urgentes.