Muito antes do Tyrannosaurus rex e do Velociraptor habitarem a Terra, outros dinossauros carnívoros já dominavam os ambientes do supercontinente Pangeia, nas áreas que hoje correspondem ao Brasil e à Argentina. Entre esses dinossauros estavam os herrerassaurídeos, o grupo mais antigo de predadores conhecidos, que viveu há cerca de 230 milhões de anos, durante o Período Triássico. Esses animais foram pioneiros ao alcançarem o topo da cadeia alimentar entre os primeiros dinossauros.
Uma pesquisa recente identificou lesões nos ossos do crânio de herrerassaurídeos encontrados no Brasil e na Argentina. Estas lesões são as mais antigas conhecidas entre dinossauros e oferecem evidências de comportamentos agressivos nesta espécie. Os dados mostram que quase metade dos crânios analisados apresentava ferimentos que indicam confrontos entre indivíduos da mesma espécie. Esse tipo de comportamento, conhecido como agonístico, já havia sido descrito em dinossauros de épocas posteriores, como o Jurássico e Cretáceo, mas nunca antes havia sido documentado com tal frequência em espécies tão antigas.
O estudo conduzido pelo Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia da Universidade Federal de Santa Maria, em colaboração com um pesquisador da Universidad Nacional de San Juan, analisou fósseis de crânios encontrados em rochas do Triássico Superior na Argentina e no Rio Grande do Sul. Entre as descobertas, algumas exibiam marcas visíveis de lesões ósseas, incluindo sulcos e áreas de crescimento anormal concentradas principalmente na face e mandíbula.
Essas marcas não são meramente danos causados após a morte dos indivíduos ou pela fossilização, mas evidenciam sinais de cicatrização, indicando que os ferimentos foram sofridos enquanto os dinossauros ainda estavam vivos e conseguiram sobreviver o suficiente para que os ossos começassem a se regenerar. A localização das lesões, especialmente na cabeça, sugere comportamentos sociais e uma agressividade que antes eram considerados atributos de dinossauros mais recentes, como os grandes terópodes.
A frequência de ferimentos identificados foi surpreendente. Entre os crânios estudados, 43% apresentava marcas compatíveis com agressões, sugerindo interações não raras nesse grupo de dinossauros. Estas interações possivelmente ocorreram por disputas por território, alimento ou parceiros.
A percepção sobre os primeiros dinossauros tem, muitas vezes, sido considerada como de indivíduos simples e pouco competitivos, vivendo sob a sombra de outros grupos dominantes. Contudo, descobertas como esta revelam que já nos primórdios, esses animais possuíam comportamentos sociais complexos e competitivos. As lesões podem fornecer insights sobre a evolução de características físicas, como cristas ósseas, em predadores, indicando que dinossauros maiores tendiam a exibir maior diversidade de ornamentação craniana, possivelmente relacionada à seleção sexual ou disputas sociais.
Além disso, o tamanho relativamente grande dos herrerassaurídeos e seu papel como predadores de topo reforçam o paralelo com os terópodes, evidenciando como diferentes linhagens podem desenvolver características semelhantes ao ocupar nichos ecológicos similares.
Comportamentos muitas vezes não deixam vestígios no registro fóssil, mas raras exceções podem fornecer informações valiosas. As cicatrizes estudadas funcionam como marcadores fossilizados de comportamento, oferecendo uma visão da vida dos primeiros dinossauros que não pode ser apreendida apenas por meio do estudo de sua anatomia.
Essas descobertas sublinham a importância dos estudos de paleopatologias, que exploram lesões e doenças em fósseis, contribuindo para uma melhor compreensão da biologia e ecologia de espécies extintas. Ao analisar padrões de trauma e cicatrização, é possível reconstruir interações sociais, estratégias de sobrevivência e até aspectos da evolução do comportamento.
Em resumo, essas são as lesões ósseas mais antigas já registradas em dinossauros e refletem comportamentos agressivos que moldaram sua trajetória evolutiva desde o surgimento desse grupo no Período Triássico, na atual América do Sul. Essa descoberta ressalta a importância da paleontologia brasileira na compreensão das origens e da evolução inicial dos dinossauros.