Ao chegar à Maison La Roche, projetada e construída entre 1923 e 1925 pelo arquiteto Le Corbusier, é necessário percorrer uma rua charmosa e arborizada em Paris. Na entrada da Square du Docteur-Blanche, um aviso em francês indica que se trata de uma “via privada”.
Em 2022, foi criada uma plataforma denominada Aberto, focada em exposições de arte em residências modernistas particulares. A quarta edição da mostra apresenta mais de trinta obras de artistas brasileiros, tanto modernos quanto contemporâneos, estabelecendo um diálogo com a obra arquitetônica de Le Corbusier. A curadoria está em consonância com o Ano Cultural Brasil-França, que convida artistas brasileiros a expor em instituições francesas.
A Maison La Roche foi o local onde Le Corbusier introduziu, pela primeira vez, seus cinco pontos para uma nova arquitetura: fachada e planta livres, janelas em fita, terraço-jardim e pilotis. Desde 2016, a casa faz parte da lista de Patrimônios Mundiais da UNESCO. Em contraste com as imponentes entradas de museus como o Louvre, as obras na Maison La Roche são apreciadas em um ambiente histórico e intimista. Originalmente projetada para o banqueiro e colecionador Raoul La Roche, a casa foi concebida como residência e galeria particular para sua coleção de arte moderna. La Roche apoiou o movimento cubista e foi patrocinador de artistas proeminentes como Georges Braque e Pablo Picasso.
Le Corbusier tem uma trajetória significativa com o Brasil. Em 1929, realizou sua primeira visita ao país para uma série de palestras na América do Sul. Ele atuou como consultor no projeto do Palácio Capanema, sob a liderança de Lúcio Costa, e teve uma influência marcante na arquitetura moderna brasileira. Seu encantamento pelo Rio de Janeiro o levou a esboçar um plano urbano que integrava arquitetura, urbanismo e paisagismo. O impacto de Le Corbusier no Brasil é visível nas obras de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, arquitetos que receberam sua influência diretamente.
A Aberto busca ampliar esse diálogo ao apresentar obras que refletem os princípios de Le Corbusier, algumas das quais foram criadas especificamente para se relacionar com os espaços da casa e as obras do arquiteto, que também era pintor. Uma de suas obras, Mesa de Aperitivo e Cachorro (1927–1938), está em exibição, e as tonalidades de azul claro e marrom ressoam com a paleta interna da Maison La Roche, evidenciando o estilo de Le Corbusier que transita por diferentes formas artísticas.
Entre as obras modernas, destaca-se a escultura em alumínio inoxidável Bicho Linear (1960), de Lygia Clark, posicionada na sala principal, onde estavam as pinturas de La Roche. As formas geométricas e o alumínio espelhado da escultura interagem com a arquitetura minimalista de Le Corbusier. Na escultura Sem título (circa 1952), de Maria Martins, figura central do modernismo brasileiro, as formas orgânicas e referências ao inconsciente dialogam com o surrealismo europeu, contemporâneo a Le Corbusier.
Entre os artistas contemporâneos, várias obras inéditas foram criadas para esta edição. A pintura Ostra 2 (2025), de Luísa Matsushita, resulta de um estudo da paleta cromática Les Couleurs® Le Corbusier, reconhecida por sua harmonia e força espacial. Tons como o azul cerúleo, presente na arquitetura da casa, aparecem nas formas horizontais da artista. Ao subir as escadas rumo ao primeiro andar, a pintura Sem título (2025), de Sandra Cinto, se destaca; suas linhas azuis e metálicas formam uma paisagem onírica em diálogo direto com a parede escura para a qual foi concebida. Cinto menciona que o maior desafio foi “dialogar com a policromia arquitetônica de Le Corbusier, propondo uma polifonia gráfica e pictórica”. Inspirada por colagens de Le Corbusier, Beatriz Milhazes apresenta A Valsa das Folhas II (2024), onde fragmentos de embalagens do cotidiano se combinam em uma composição vibrante e abstrata.
Na Aberto 4, arte e arquitetura estão continuamente entrelaçadas. Como mencionado, a exibição das obras na Maison La Roche proporciona uma experiência onde a arquitetura e a arte estão em sintonização. O espaço é carregado de história, e elementos como luz, vazios e cores intensificam o olhar dos visitantes. A exposição transforma a casa em uma experiência única, facilitando uma interação íntima com as obras e promovendo uma reflexão sobre como o legado arquitetônico de Le Corbusier continua a inspirar artistas no Brasil.