O Brasil é reconhecido por abrigar a maior diversidade de anfíbios do planeta, incluindo sapos, rãs, pererecas e salamandras, com quase 1.200 espécies documentadas. Contudo, muitas dessas espécies estão em risco de extinção. Para enfrentar essa problemática, foram implementados dois projetos direcionados à conservação de algumas das espécies de anfíbios mais ameaçadas: o Projeto de Conservação da Perereca-pintada e o Projeto de Conservação da Perereca-rústica. Esses programas têm como objetivo reproduzir em ambientes controlados esses anfíbios raros, contribuindo para o aumento de suas populações. A seguir, você conhecerá essas iniciativas inovadoras que servem como inspiração para esforços de conservação, tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo.
A criação desses projetos surge da necessidade urgente de preservar muitas espécies de anfíbios que estão à beira da extinção. O Grupo de Especialistas em Anfíbios do Brasil (ASG Brasil-IUCN) iniciou o desenvolvimento de estratégias eficazes para a proteção desses animais. Em 2020, em colaboração com a organização internacional Amphibian Ark e o apoio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN-ICMBio), foi realizado um evento chamado “Conservation Needs Assessments”. Durante essa reunião, os especialistas analisaram 67 espécies de anfíbios ameaçadas no Brasil, identificando 14 delas como de risco máximo de extinção que requeriam ações priorizadas.
Após esse diagnóstico, a elaboração de planos de conservação específicos deu início, conhecidos como Planos Estratégicos de Conservação de Anfíbios (PECAn). O objetivo é que cada espécie classificada como ‘altamente prioritária’ tenha um PECAn desenvolvido com a colaboração de todos os envolvidos na conservação da espécie. Entre as 14 espécies identificadas, duas já avançaram com seus planos de conservação: a Perereca-pintada (Nyctimantis pomba), originária de Minas Gerais, e a Perereca-rústica (Pithecopus rusticus), de Santa Catarina. Os PECAn dessas espécies foram formulados por meio de uma série de sete reuniões virtuais ao longo de 2022, com a participação de 44 indivíduos de diferentes instituições, incluindo universidades, zoológicos e órgãos governamentais e não governamentais.
Essas duas espécies foram selecionadas para o início do programa devido às suas pesquisas prévias e ao elevado risco de extinção que enfrentam. Além disso, as duas compartilham características comuns, tanto em relação ao micro-endemismo quanto às ameaças que enfrentam. Por essas razões, seus planos de ação foram desenvolvidos em conjunto, aproveitando as aprendizagens de uma para beneficiar a outra.
Os planos estratégicos para ambas as espécies estão programados para serem executados de 2023 a 2028. Eles contemplam ações “in situ” (nas áreas naturais onde as espécies se encontram) e atividades de resgate e manejo “ex-situ” (em laboratórios e ambientes artificiais). O principal objetivo é estabelecer protocolos para a manutenção e reprodução dessas espécies sob cuidados humanos, criando populações de segurança caso seja necessário reintroduzi-las na natureza. Se algo acontecer com os poucos indivíduos que ainda existem no habitat natural, as populações mantidas em cativeiro funcionarão como uma rede de segurança contra a extinção.
De acordo com uma bióloga do Zoológico de São Paulo, um projeto anterior de sucesso com a Perereca-de-alcatrazes (Ololygon alcatraz) serviu de modelo para o desenvolvimento dessas novas iniciativas de conservação que estão em andamento atualmente.
O Projeto de Conservação da Perereca-pintada começou em 2008, quando um biólogo avistou o animal e constatou que se tratava de uma nova espécie não registrada até então. Após descobrir essa nova espécie, ele buscou por exemplares para descrição, o que levou cinco anos, período durante o qual o habitat da Perereca-pintada sofreu considerável degradação devido à ação humana. Atualmente, essa espécie é encontrada apenas em um fragmento da Mata Atlântica em uma propriedade particular de cerca de 1,36 km² na área rural de Cataguases (MG). Depois de várias tentativas de localizá-la em outras regiões entre 2016 e 2021, sem sucesso, um pedido de análise foi feito para que fosse considerada para o manejo ex situ em 2017.
No ano seguinte, uma equipe começou a busca ativa por exemplares na natureza para reprodução. Começou assim a desenvolver o plano estratégico para essa espécie, que incluía objetivos específicos como aumentar o conhecimento sobre a espécie, identificar e mitigar ameaças diretas e fomentar a comunicação sobre a importância da conservação. O programa de manejo ex situ para a Perereca-pintada é uma parceria entre pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa e técnicos da Fundação Parque Zoológico de São Paulo, com o centro de conservação localizado em Araçoiaba da Serra (SP).
Durante as coletivas de 2019 e 2020, as equipes enfrentaram desafios para encontrar fêmeas da espécie, mas, quando foram identificadas em 2021, as atividades de manejo começaram. Um número inicial de 12 anfíbios foi trazido para o local de conservação. Até o final de 2022, os pesquisadores conseguiram reproduzir a Perereca-pintada em ambiente controlado pela primeira vez. Com a continuidade das iniciativas, já há uma população de segurança estabelecida, com 260 indivíduos atualmente, e animais foram enviados para o Zoológico de São Paulo e para o Instituto Butantan.
Em 2023, houve a transferência de 30 novos indivíduos para o Zoológico de São Paulo, e a expectativa é de novas reproduções em 2024. Simultaneamente, ações de conscientização sobre a conservação da espécie estão sendo realizadas, incluindo a divulgação de informações através de um perfil oficial no Instagram. Paralelamente, investigações sobre o comportamento e reprodução da Perereca-pintada continuam no seu habitat em Cataguases, onde os pesquisadores enfrentam uma situação legal complexa que limita a criação de uma reserva.
O Projeto de Conservação da Perereca-rústica teve início em 2008, sendo que a bióloga que descobriu a espécie descreve seu encontro em um campo no Planalto das Araucárias. Apesar da nova espécie ter sido oficialmente descrita em 2014, a pesquisa e monitoramento da população começaram em 2009. Assim como a Perereca-pintada, a Perereca-rústica também enfrenta riscos semelhantes, sendo que até o momento ela foi encontrada apenas em um pequeno fragmento de habitat no município Água Doce (SC).
A operação para levar exemplares dessa espécie ao Parque das Aves, onde está sediado o programa de conservação, foi repleta de emoção. Após a identificação de um casal, ambos foram transportados por helicóptero para garantir a segurança e integridade dos animais. Subsequentemente, outros indivíduos e ovos foram levados ao Parque, mas até o momento não houve sucesso na reprodução em cativeiro devido à dificuldade em replicar as condições climáticas do habitat da perereca.
Assim como no projeto da Perereca-pintada, informações sobre a Perereca-rústica também são compartilhadas através de um perfil no Instagram, que visa aumentar a conscientização sobre a importância de preservar os Campos de Altitude. A área onde essa perereca vive enfrenta ameaças legais e ambientais, e a bióloga enfatiza a necessidade de preservar o habitat durante as expedições.
Apesar dos desafios, tanto os pesquisadores da Perereca-pintada quanto da Perereca-rústica mantêm uma visão otimista para o futuro, com a esperança de que os esforços realizados venham a diminuir o risco de extinção dessas espécies.