Entre 1946 e 1956, nas cavernas de Qumran, localizadas na Cisjordânia, arqueólogos encontraram quase 1.000 fragmentos de pergaminhos. Esses documentos, escritos em hebraico e aramaico, foram preservados ao longo do tempo e são conhecidos como Manuscritos do Mar Morto. Essa coleção representa a maior descoberta de documentos antigos em Israel e é essencial para o estudo do judaísmo, do cristianismo e da história do Oriente Médio. Parte dos manuscritos contém os textos bíblicos mais antigos conhecidos, enquanto outro grupo compreende comentários religiosos, tratados teológicos e regulamentos de comunidades.
Contudo, a datação precisa dos manuscritos tem se mostrado desafiadora. A principal dificuldade surge do fato de que muitos deles foram escritos em um período histórico onde não há textos diretamente datados para servir como referência. Esse é o caso do intervalo entre o século III a.C. e o século I, o que torna a paleografia, método que analisa o estilo da caligrafia, pouco confiável neste contexto.
Recentemente, um avanço significativo foi alcançado por um grupo internacional de pesquisadores, comandado pela Universidade de Groningen, na Holanda. Eles desenvolveram uma nova ferramenta chamada Enoch, um modelo de inteligência artificial (IA) que combina a datação por radiocarbono com a paleografia aprimorada por algoritmos. Este método inicia-se com uma calibragem inicial, onde determinados manuscritos foram datados utilizando a técnica de carbono-14, que mede o nível de carbono radioativo presente nos pergaminhos para estimar sua idade. Em seguida, a IA é treinada para identificar padrões gráficos nas inscrições, considerando variações sutis nas letras e traços das linhas. Isso resulta em datações mais precisas. A IA é uma alternativa não destrutiva, o que permite a análise das relíquias sem a necessidade de retirar novas amostras.
No primeiro teste com o Enoch, a equipe analisou 135 fragmentos, uma amostra ainda pequena diante dos mais de 1.000 fragmentos disponíveis para visitação em Israel e nos Estados Unidos. Os resultados preliminares foram encorajadores, indicando descobertas notáveis, como a Regra da Comunidade e o comentário bíblico 4Q163, que antes eram datados do século I a.C. e foram recuados para o século II a.C. Essa informação pode alterar a compreensão acadêmica sobre o surgimento de ideias e movimentos históricos daquele período.
Um tema central na arqueologia bíblica é a origem da seita associada à produção dos manuscritos, os essênios, um grupo judaico com conceitos próprios sobre pureza ritual e organização social. Se os textos atribuídos a essa seita forem realmente mais antigos, isso poderá indicar que o grupo surgiu antes de eventos significativos, como a revolta dos macabeus e a chegada dos romanos à Judeia. Isso também sugere que havia uma cultura letrada mais desenvolvida na região mesmo antes da dinastia asmoneia, que governou no século II a.C.
Com a quantidade significativa de documentos que ainda podem ser processados com esta nova tecnologia, novas e importantes descobertas podem surgir em breve. O Enoch não visa substituir os paleógrafos humanos, mas sim atuar como uma ferramenta, semelhante ao microscópio para biólogos. A partir desse ponto, novos dados poderão ser gerados que os textos não revelam de maneira direta. A utilização de IA também possibilita identificar diferentes escribas em um mesmo manuscrito, analisando padrões de caligrafia para distinguir autores anônimos. Com o Enoch, uma nova era de análise e entendimento das civilizações passadas começa, oferecendo uma fascinante oportunidade de interação com a história.