“O mundo não tem pressa de mudar.” Essa citação, atribuída a Machado de Assis, reflete a realidade do setor financeiro, especialmente em termos de inovação. As mudanças em serviços financeiros geralmente emergem de novos processos ou tecnologias. O sistema financeiro se diferencia de outros setores por ser regido por regulações específicas, como as estabelecidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Banco Central do Brasil, tornando suas ideias e produtos não passíveis de patente.
A primeira grande inovação no sistema bancário tradicional ocorreu no século XIX com a introdução do telégrafo. Essa tecnologia possibilitou que clientes consultassem preços de operações bancárias, aumentando a concorrência entre instituições. Com o desenvolvimento das telecomunicações — como a transmissão via satélite e fibra óptica — a agilidade nas transações financeiras cresceu significativamente, resultando em uma maior volatilidade nos mercados.
Desde a década de 1990, a globalização financeira resultou em uma série de crises ao redor do mundo, como as ocorridas no México (1994), na Ásia (1997), na Rússia e na Ucrânia (1998), no Brasil (1999), na Turquia (2000) e na Argentina (2001). Esses eventos criaram oportunidades de aprendizado que impactaram as políticas monetárias, levando a uma redução nas taxas de juros nos Estados Unidos e a um aumento na liquidez do mercado, culminando na crise do subprime, que se manifestou entre 2007 e 2008. Essa crise foi impulsionada por estruturas complexas de securitização baseadas em garantias imobiliárias.
A operação de securitização transforma créditos futuros em títulos negociáveis, onde empresas vendem recebíveis, como duplicatas e parcelas de cartões de crédito, para instituições que os estruturam em papéis acessíveis a investidores. Esses investidores, por sua vez, recebem fluxos de caixa correspondentes, originalmente projetados para serem recebidos no futuro. O conceito de securitização foi introduzido nos Estados Unidos por Lewis Ranieri na década de 1970 e se espalhou rapidamente por diversos setores, incluindo hipotecas e agronegócio.
No Brasil, a primeira operação formal de securitização ocorreu em 1993, com a criação da Sociedade de Propósito Específico chamada “Mesbla Trust”, desenvolvida pelo Banco Crefisul de Investimentos. O objetivo dessa estrutura era transformar vendas futuras em capital imediato. O grande desafio foi convencer os reguladores a ajustarem as normas necessárias para permitir essa nova abordagem no mercado.
Atualmente, os principais instrumentos financeiros utilizados incluem os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs). Esses instrumentos possibilitam que empresas com ratings de crédito baixos possam utilizar seus recebíveis como garantias, o que mitiga o risco de crédito e oferece rentabilidades atrativas em comparação a outros tipos de investimento, como debêntures.
Em 2024, o mercado de capitais brasileiro captou R$ 783,4 bilhões, representando um aumento de 66,7% em relação ao ano anterior. Dessa quantia, os FIDCs responderam sozinhos por R$ 81,4 bilhões, com 918 operações registradas. Nos primeiros quatro meses de 2024, os FIDCs captaram R$ 24,6 bilhões, um crescimento de 25,7% em comparação ao mesmo período de 2023. Os CRIs movimentaram R$ 15,4 bilhões, enquanto os CRAs alcançaram R$ 9,3 bilhões.
A inovação no setor financeiro continua em alta, com alguns FIDCs adotando algoritmos para definir tranches de risco e a introdução de CRAs verdes, focados em práticas sustentáveis. A tokenização de recebíveis, utilizando tecnologia de blockchain, também começa a ganhar impulso, com diversas operações sendo implementadas.
Entretanto, desafios persistem, como a qualidade dos recebíveis, a governança das estruturas e a clareza regulatória, que limitam a evolução do setor. A Resolução CVM 175, em vigor desde 2023, é um marco importante, atualizando o regime dos fundos, incluindo os FIDCs. A digitalização promete revolucionar esse mercado, com a utilização de contratos inteligentes e integração com o sistema Open Finance, tornando a securitização mais acessível e segura.
Compreender a securitização é fundamental para antecipar o futuro e entender a função do mercado de capitais como um intermediário entre empresas e investidores. Em um país onde o custo do crédito é elevado, essa discussão é vital para o crescimento econômico sustentável. A securitização futura será caracterizada por ser mais digital, rápida e eficiente, com uma ênfase crescente na tokenização.
O tema será abordado novamente em futuras discussões.