Pela primeira vez na história, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) terá 49 estudantes que se autodeclaram negros ou pardos entre os 180 aprovados. A turma de 2025 marca um recorde, resultado de ações afirmativas que foram implementadas em 2018. A primeira docente negra do ITA, com doutorado em física, vê esse acontecimento como uma conquista significativa. “O instituto iniciou a política de cotas em 2018. Para ilustrar, no ano passado [2024] contávamos apenas com 10 alunos — o que já representava um avanço”, afirmou. “É uma vitória para a política de cotas e para todos que lutaram para diversificar o ambiente. Vocês não conseguem imaginar a alegria que sinto”, destacou.
Estudantes beneficiados por cotas e do ProUni apresentam melhores índices de desempenho, segundo dados do Inep. A docente mencionada é um exemplo disso, e sua trajetória mostra os desafios enfrentados por estudantes negros. Sonia optou por continuar sua carreira no ITA após a possibilidade de aposentadoria em 2019, com o intuito de ampliar o acesso de negros à educação. “Dediquei minha vida à luta pela inclusão de negros em áreas onde anteriormente não eram representados, e eu sabia que deveria permanecer até que isso se concretizasse”, disse.
Ela destacou que, apesar dos avanços, ainda há muito trabalho a ser feito, mencionando que as vagas do ITA são limitadas. “Considerem que são apenas 180 oportunidades? Isso implica que quase 30% das vagas na instituição mais prestigiada do país foram ocupadas por estudantes negros ou pardos. O ano de 2025 começou com notícias extraordinárias”, celebrou em seu perfil nas redes sociais.
Em entrevista à mídia em novembro de 2024, a cientista discutiu as barreiras presentes no sistema educacional brasileiro. Segundo ela, existe uma cultura excludente que permeia as universidades de elite, onde é comum a afirmação de que “a universidade não é para qualquer um”. Nas instituições, a inclusão de professores e alunos negros ainda fica em segundo plano, e a crítica a aspectos da identidade racial muitas vezes acontece de forma velada.
Sonia enfatizou que, embora enfrente discriminação, a acusação direta de racismo não é feita, pois as críticas geralmente não abordam diretamente sua cor de pele ou gênero. “Dizem que sou incapaz, que não tenho inteligência suficiente, que sou a pior docente, ou que meu estilo de vestir atrai atenção demais. Contudo, para as instituições, isso não é visto como racismo”, comentou.
Ela argumentou que essa abordagem leva muitos educadores negros a evitar a discussão sobre raça em ambientes acadêmicos de prestígio. Ao mesmo tempo, elogiou o fenômeno do “embranquecimento”, onde indivíduos que costumam frequentar espaços predominantemente brancos acabam não se reconhecendo como negros. “Conheço pessoas que se autodeclaram negras somente depois dos 40 anos. Gente que se identifica como negra apenas em eventos como o Carnaval, onde isso é valorizado, e se distanciam dessa identidade durante o restante do ano”, relatou.
Sobre a implementação da Lei de Cotas no Brasil, entre 2012 e 2022, houve um aumento de 200% no número de estudantes negros nas instituições de ensino superior, conforme dados do Senado. Para ela, isso representa uma conquista significativa para a população negra, embora ainda haja espaço para melhorias. A verificação das declarações de raça é um aspecto a ser aprimorado, segundo a professora.
Ela também sugeriu que mais esforços sejam feitos para garantir a permanência de estudantes negros em universidades públicas, destacando o suporte que o ITA oferece, que inclui alimentação, moradia e serviços de saúde. Muitas desses alunos provêm de contextos socioeconômicos desafiadores e, assim, é essencial que a instituição assuma responsabilidades tanto para com eles quanto para a oportunidade que esses estudantes representam.