12 fevereiro 2025
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A Ponte de R$ 232 Milhões: Como a Falta de Planejamento Gera Desperdício de Recursos Públicos

O setor de infraestrutura no Brasil começa o ano de 2025 envolto em uma ambivalência significativa. Há a expectativa de que mais de 110 leilões sejam realizados ao longo do ano, abrangendo concessões, privatizações e parcerias público-privadas (PPPs), com um potencial de investimentos estimado em R$ 250 bilhões, principalmente do setor privado. Em contrapartida, o país enfrenta um grande desafio: a elevada quantidade de obras públicas inacabadas, que, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU), totaliza 11,9 mil, representando 52% dos contratos em execução.

Um exemplo emblemático dessa situação é uma ponte sobre o rio Araguaia, na divisa entre Tocantins e Pará, que possui um custo estimado de R$ 232 milhões e está 95% concluída, mas cuja inauguração ainda não possui uma data definida. Essa obra parada representa os principais entraves que afetam o setor de infraestrutura no Brasil, refletindo uma iniciativa promissora sufocada por uma série de problemas, incluindo falhas de projeto, demora decorrente de litígios, falta de planejamento, burocracia excessiva, desperdício de recursos públicos e impactos negativos na logística.

A ponte, que se estende por 1.724 metros, conecta os municípios de Xambioá (TO) e São Geraldo do Araguaia (PA) e foi concebida em 2017, durante a gestão de Michel Temer, com um orçamento inicial de R$ 132 milhões. A construção visa proporcionar uma solução logística para o escoamento da produção agrícola da região do Matopiba, que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Atualmente, a travessia entre as duas cidades ocorre por balsas, e a ponte deveria servir como uma extensão da BR-153, que se interrompe devido ao rio Araguaia. O governo havia informado que a obra começaria em 2018, com conclusão prevista para 2021, prometendo beneficiar 1,5 milhão de pessoas na região.

Entretanto, um embate judicial que questionou a licitação vencida pelo consórcio responsável pela obra adiou o início das atividades para 2020, três anos após a celebração do contrato. Em função desse atraso, os custos da ponte foram ajustados para R$ 157 milhões, incluindo uma pista de 12 metros de largura e acostamentos, além de calçadas de 1,5 metro para cada lado. Uma falha significativa no projeto, que não considerou as obras de acesso em ambos os lados da ponte, resultou em novos atrasos, que persistem até o presente momento.

A extensão total da ponte é de 2.010 metros, sendo 310 metros no lado do Pará e 1.700 metros no lado do Tocantins, mas as obras de acesso ainda não começaram, pois a União não efetuou os pagamentos para a desapropriação dos terrenos necessários. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informou que audiências concilatórias sobre as indenizações estão agendadas para fevereiro na Justiça Federal, o que justifica a falta de pagamentos até o momento.

Nesse contexto, o custo da construção da ponte foi recalculado para R$ 204,2 milhões, e o projeto dos acessos está avaliado em R$ 28,6 milhões. Assim, os custos totais da ponte e dos acessos devem ultrapassar R$ 232,8 milhões, representando um aumento de 75% em relação ao valor original. A previsão de entrega é para o segundo semestre de 2025, segundo estimativas do Dnit.

O economista Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B, aponta uma discrepância entre a expectativa de investimentos em infraestrutura e a realidade das obras paradas, utilizando como referência o índice de depreciação do capital fixo. De acordo com Frischtak, o Brasil costuma investir em média 2% do PIB anualmente em infraestrutura, englobando tanto investimentos públicos quanto privados. O índice mede a proporção desses 2% necessária para a reposição da infraestrutura depreciada.

Frischtak destaca que, ao contrário de bens como diamantes, as infraestruturas não possuem uma durabilidade eterna e requerem manutenção regular. Ignorar essa manutenção pode resultar em conseqüências adversas, como buracos nas estradas e quedas de pontes. Entre os 2% do PIB direcionados a infraestrutura, aproximadamente 1,4% é utilizado para reparos, enquanto apenas 0,6% do PIB é destinado a novos empreendimentos.

Esses dados indicam que o Brasil não apenas investe pouco, mas também não realiza investimentos de forma eficiente. As estatísticas do TCU, de novembro do ano anterior, revelam que a maioria das obras paradas, cerca de 72%, está vinculada aos setores de educação e saúde, como a construção de escolas e hospitais. No que se refere ao transporte, há 108 projetos catalogados, incluindo a ponte sobre o rio Araguaia.

Um relatório do TCU mencionou uma melhora nos indicadores, indicando que 1.169 obras paralisadas em 2023 foram retomadas em 2024, além de 5.463 obras concluídas desde a última avaliação do TCU. Contudo, o economista da Inter.B ressalta que esses avanços não solucionam a questão fundamental: as obras públicas ainda enfrentam problemas durante todas as etapas do processo, desde o planejamento até a execução e fiscalização.

Frischtak argumenta que há falhas na governança dos investimentos públicos, o que resulta em distorções, como a execução de projetos de qualidade inferior e a paralisação de obras. Essa realidade ajuda a explicar a posição do Brasil no 51º lugar no ranking de eficiência logística do Banco Mundial.

Outros especialistas também comentam sobre as consequências dessa gestão deficiente das obras públicas, como demonstrado pelo caso da ponte inacabada. Ivana Cota, coordenadora de infraestrutura de um escritório de advocacia, observa que erros semelhantes ocorrem frequentemente em contratos do setor e destaca a judicialização pós-licitação como um problema recorrente. Ela ainda menciona que, enquanto os grandes projetos têm visto um aumento no investimento privado e melhoria na elaboração de contratos, as obras menores enfrentam desafios relacionados a desapropriações e conflitos fundiários, exacerbados por um planejamento deficiente e falta de coordenação entre diferentes níveis de governo.

Fernando Gallacci, sócio de um escritório de advocacia, salienta que o desafio consiste em estender as boas práticas de modelagem nas licitações para o acompanhamento da execução contratual. Ele enfatiza que não é suficiente ter um projeto bem estruturado; é essencial contar com uma equipe capacitada para monitorar a execução contratual, capaz de lidar com imprevistos que podem surgir durante o investimento, seja ele de grande ou médio porte.

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