Uma pesquisa recente publicada na revista Research on Biomedical Engineering levantou preocupações sobre a proteção inadequada contra raios ultravioletas (UV) em óculos de sol. O estudo examinou a eficácia de 12 modelos de óculos de sol e revelou que apenas um deles satisfazia os limites de segurança para exposição à radiação UV, conforme estabelecido pela Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante (ICNIRP).
A radiação solar ultravioleta é um fator de risco para diversas doenças oculares, como catarata e fotoceratite, uma inflamação das córneas. O uso de óculos de sol é uma das formas mais comuns de proteção contra esses raios. A investigação conduzida por pesquisadores do Laboratório de Instrumentação Oftálmica da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP) indicou que, em geral, as lentes não atendem a um ou mais limites de segurança estabelecidos nas normas, e com o tempo, apresentam uma diminuição na capacidade de bloquear radiação UV, o que pode aumentar os riscos de danos aos olhos. Dos modelos testados, apenas uma lente mostrou-se “ótima”, bloqueando totalmente a radiação após simulação de 2.500 horas de exposição ao sol. O estudo não revela as marcas dos óculos avaliados.
Para garantir proteção eficaz e abrangente da visão, os pesquisadores propõem que a indústria adote como padrão os limites estabelecidos pela ICNIRP, contribuindo para a melhoria da qualidade dos produtos disponíveis no mercado. As normas que regem a certificação de óculos de sol definem limites para filtros de radiação solar entre 280 e 380 nanômetros (nm). A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a ICNIRP consideram que os limites adequados variam entre 280 e 400 nm. A radiação UV é dividida em três categorias: UVC (100 a 280 nm), UVB (280 a 315 nm) e UVA (315 a 400 nm).
Pesquisas nesta área têm sido realizadas desde a década de 1990. A EESC-USP é reconhecida internacionalmente por suas contribuições científicas, que fundamentam padrões e normas de segurança. A professora Liliane Ventura, do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da EESC-USP, coordena um projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e está atualmente liderando pedidos de patente para dois protótipos: um para medir a exposição radiante do olho à radiação direta, difusa e refletida das lentes dos óculos de sol, e outro para testar a eficácia de bloqueio de radiação UV nos óculos voltados ao público. Ambos os pedidos estão em tramitação na Agência USP de Inovação e serão enviados ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Recentemente, outra patente, também apoiada pela FAPESP, foi concedida para Ventura e o ex-aluno Artur Duarte Loureiro, voltada a uma tecnologia que avalia a condição dos óculos de sol para motoristas, medindo a transmissão de luz em diferentes comprimentos de onda, como verde, amarelo e vermelho. O pesquisador Mauro Masili, coautor do artigo, aponta que um estudo anterior publicado em março de 2024 na revista Scientific Reports evidenciou que todos os óculos de sol devem garantir proteção UVA acima de 86%, independentemente da categoria das lentes, que varia de 0 (mais clara) a 4 (mais escura).
Resultados do estudo indicaram que a proteção inferior a 86% pode aumentar o risco à saúde ocular, pois as lentes permitem maior entrada de radiação UV. Essa variação de risco não se deve, conforme argumentado anteriormente, à dilatação da pupila causada pelo uso de óculos de sol, mas sim à ampliação do campo de visão. Em ambientes externos claros, a tendência é que as pessoas fechem os olhos para reduzir a luz; o uso de óculos escuros, ao escurecer o ambiente, pode impedir essa resposta natural, aumentando a exposição ao UV quando a proteção das lentes não é adequada. Dessa forma, a ampliação da proteção até 400 nm é sugerida como uma maneira de minimizar a exposição desnecessária aos raios UV.
Desde o final da década de 1990, quando o Brasil não possuía normas para a proteção em óculos de sol, Ventura e Masili têm colaborado com órgãos reguladores na elaboração dessas diretrizes. Em 1997, realizaram as primeiras análises de características ópticas para o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) com base em normas internacionais. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou em 2003 a NBR 15111, que estabeleceu as características de óculos de sol para uso geral, com parâmetros semelhantes aos da Europa, definindo que a proteção no Brasil fosse entre 280 e 380 nm. A norma foi revisada em 2013, ampliando a proteção UV para 280 a 400 nm e aumentando o teste de resistência à irradiação.
Entretanto, em 2015, essa norma foi revogada em favor da ISO 12312-1, que reduziu novamente os limites de proteção UV para 280 a 380 nm. Em 2016, pesquisadores calcularam a exposição à radiação solar em 27 capitais brasileiras e 110 capitais do hemisfério norte, constatando que os testes não eram eficazes para assegurar a proteção das lentes contra a radiação UV. Atualmente, não existem exigências de certificação para a comercialização de óculos de sol no Brasil. Análises podem ser feitas para equipamentos voltados à direção de veículos utilizando um espectrofotômetro, um aparelho científico analisado por especialistas. Ventura está desenvolvendo um protótipo para medir a exposição radiante do olho, com a proposta de um selo que indique o fator de proteção solar, auxiliando o consumidor na escolha na hora da compra.