“O liberalismo sempre foi um caminho estreito no Brasil.” Essa declaração, feita em um debate sobre a longa tradição autoritária do país, ressoa de forma pertinente no contexto atual. O recém-publicado Democracy Index 2024, um relatório da Economist Intelligence Unit sobre a democracia global, indica que o Brasil foi o país que mais perdeu posições no grupo das “democracias frágeis”, com a exceção da Coreia do Sul. O estudo destaca a polarização excessiva e a transformação da política em um jogo de soma zero, além de mencionar uma crítica contundente ao Supremo Tribunal Federal, que, desde 2019, tem conduzido “investigações controversas” sobre a “suposta desinformação”. A suspensão de uma plataforma de mídia social durante o debate eleitoral é considerada “sem precedentes em países democráticos”. De acordo com o relatório, a criminalização de opiniões, “com base em definições vagas”, representa um exemplo claro de politização do Judiciário, resultando em um efeito inibitório sobre a liberdade de expressão e criando precedentes para a censura.
Ao analisar o conteúdo do relatório, é possível vislumbrar a preocupação com os sinais recorrentes de censura no Brasil. Um exemplo recente inclui uma delegação da OEA, na qual relatos sobre a censura geraram reações de surpresa entre os participantes. O contexto inclui a circulação de mensagens em grupos de redes sociais, quebra de imunidade parlamentar e até materiais acusando ministros de serem “golpistas”. Além disso, a aprovação de um projeto no Congresso dos Estados Unidos, que inclui republicanos e democratas, leva a questionamentos sobre a eventual prática de censura no Brasil. A dualidade entre o nacionalismo e a problemática da censura tem se tornado cada vez mais evidente, levando a uma reflexão crítica sobre o estado atual da liberdade de expressão.
A análise do recente julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à plataforma Rumble serve como um indicativo da realidade do diagnóstico da Economist. Em sua decisão, o STF descreve “crimes” cometidos por um indivíduo qualificado como “pretenso jornalista”, incluindo acusações como “atacar autoridades públicas” e “gerar polarização”. No contexto legal, tais críticas não são crimes. A definição de polarização e animosidade se torna ambígua e questionável, levando a uma reflexão crítica sobre a interpretação da lei e sua aplicação na prática. A flexibilidade das definições legais pode resultar em uma erosão dos direitos democráticos, tornando a sociedade mais vulnerável à autoritarismo. O fenômeno do receio de se manifestar contra o poder se torna evidente, com relatos de cidadãos que optam por se omitir de opiniões devido ao medo de retaliações.
Nesse contexto, emerge uma justificativa comum utilizada para validar a censura e a redução de direitos, baseada em uma visão de “provisório”. Essa perspectiva sugere que medidas excecionais poderiam ser necessárias para proteger a democracia, mesmo que isso signifique a redução temporária de garantias democráticas. Esse tipo de raciocínio remonta a uma tradição histórica brasileira, onde o “autoritarismo instrumental” é visto como um meio para alcançar a democracia no futuro. A visão de alguns pensadores de que a sociedade brasileira, por suas características, demandaria um estado tutelar para garantir a ordem democrática é um reflexo dessa interpretação.
Observa-se que essa mentalidade não é exclusividade de um espectro político; tanto a esquerda quanto a direita fazem uso de justificativas semelhantes para legitimar a censura. Solicitações para intervenções militares ou propostas de medidas drásticas, como a aplicação criativa do “artigo 142”, evidenciam uma falta de compromisso com os princípios democráticos. O ambiente político é permeado por emoções e câmaras de eco, onde a lealdade a facções parece frequentemente prevalecer sobre a imparcialidade de normas e princípios. Essa dinâmica desafia a possibilidade de estabelecer um entendimento sólido das normas liberais fundamentais.
A compreensão equivocada de que os direitos individuais representam um obstáculo à democracia é um erro crasso. O respeito às garantias processuais e à justiça não deve ser visto como algo a ser moldado à vontade de uma vaga razão de Estado. O que hoje se apresenta com uma aparência de novidade é, de fato, uma manifestação de uma ideia antiga e enraizada. O futuro do país e de sua democracia permanece incerto, mas a reflexão sobre os princípios que sustentam uma sociedade livre é mais essencial do que nunca. O caminho continua estreito, reafirmando uma realidade que persiste e que deve ser urgentemente reavaliada.