Como um profissional experiente em turismo, Raj Gyawali reconhece que cancelamentos ocasionais devido a circunstâncias como doenças são comuns no setor. No entanto, Gyawali, fundador da operadora de turismo socialtours, com sede em Catmandu, Nepal, enfrentou uma situação inédita em sua carreira de mais de 20 anos: um cliente americano cancelou uma viagem ao Nepal devido ao medo de viajar para o exterior durante a atual administração dos Estados Unidos. “Um agendamento totalmente confirmado foi cancelado porque a pessoa sentiu insegurança para viajar”, relatou Gyawali, observando que muitos outros clientes americanos manifestaram preocupações semelhantes.
Entende-se a razão desse sentimento, uma vez que muitos indivíduos se sentem desconfortáveis ao viajar de um país em que podem ser obrigados a se defender ou a se desculpar pelo cenário político atual. Gyawali sugeriu que isso pode impactar várias nações e, sem dúvida, afetar o turismo. Após o início do segundo mandato presidencial de Donald Trump, dados indicam uma queda na demanda por viagens aos Estados Unidos. De acordo com uma pesquisa da empresa Tourism Economics, as visitas de turistas internacionais devem cair em 5,1%, e os gastos estão previstos para diminuir em 11%, resultando em uma perda de aproximadamente US$ 18 bilhões no ano.
Operadoras de turismo canadenses, em especial, reportam cancelamentos de até 30%. Além disso, algumas nações europeias estão aconselhando cidadãos trans e não-binários a evitarem os Estados Unidos. Assim, a percepção internacional sobre os EUA tem se tornado negativa. Essa relutância não é apenas unilateral; muitos americanos que planejam viagens ao exterior ou já estão fora do país sentem os impactos das políticas da administração Trump, enquanto lidam com novas percepções sobre os Estados Unidos e seus cidadãos no exterior. Observações de viajantes revelam medo e hesitação em relação a viagens internacionais, decorrentes da afronta percebida sobre as políticas e ações do governo, como tarifas e o tratamento de nações parceiras.
Viajar em um ambiente com uma reputação mundial negativa pode impactar a experiência de quem se desloca. Pesquisas recentes da YouGov mostram que a favorabilidade em relação aos EUA caiu significativamente em sete grandes países europeus desde a reeleição de Trump. Comparando os dados atuais com pesquisas anteriores, foi identificado que as atitudes favoráveis em relação aos EUA diminuíram entre seis e 28 pontos percentuais. A Dinamarca, por exemplo, evidenciou a maior queda, com apenas 20% da população expressando uma visão favorável dos EUA, uma queda acentuada em relação a 48% em agosto de 2024.
Em outros países europeus, como Suécia, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Espanha, as avaliações favoráveis aos EUA também apresentaram queda. A percepção europeia sobre a administração Trump, especialmente em relação à Ucrânia, é amplamente crítica. Viajantes, como Lisa VanderVeen, que frequentemente viajam para fora, têm notado um foco mais intenso e desafiador em relação aos americanos em comparação com o primeiro mandato de Trump. Isso gerou um aumento de insegurança e preocupação entre cidadãos dos EUA enquanto estão no exterior.
Especialistas em turismo estão começando a se preparar para possíveis mudanças. Gyawali acredita que a indústria precisa ser mais proativa frente aos desafios enfrentados por viajantes e empresas. Ele menciona a importância de criar estratégias para proteger o turismo em um mundo afetado pelas políticas do governo atual. Sua empresa, a Ethical Travel Portal Norway, também está se adaptando a um provável aumento de cancelamentos por parte de clientes americanos.
Dessa forma, a comunicação com os clientes nos EUA está sendo aprimorada, focando em empatia e compreensão das preocupações deles. Gyawali propõe a reunião de especialistas em turismo para estabelecer uma iniciativa de “think tank” que promova boas práticas na indústria, defendendo uma postura mais proativa, ao invés de apenas reativa, para lidar com crises. Enquanto isso, viajantes podem aplicar algumas estratégias pessoais ao se prepararem para suas viagens, como evitar roupas ou acessórios que possam ser interpretados como ofensivos ou politicamente carregados, a fim de minimizar riscos durante suas experiências internacionais.