Nas últimas semanas, um grande número de cidadãos saiu às ruas em Berlim e Colônia para protestar contra o crescimento da extrema direita na Alemanha. Simultaneamente, cerca de 4.500 pessoas ocuparam a cidade de Halle, no centro do país, durante o início da campanha eleitoral do partido AfD. Alice Weidel, a líder da legenda e candidata ao cargo de governo, recebeu até uma ligação de apoio do bilionário Elon Musk enquanto discursava para uma plateia animada. A nação atravessa um período político delicado, marcado por dificuldades econômicas e preocupações relativas ao custo de vida e imigração. É nesse cenário que a Alemanha se prepara para uma eleição geral marcada para fevereiro.
A queda do governo de Olaf Scholz, chanceler da Alemanha, se concretizou após ele perder um voto de confiança no Congresso em dezembro. Esse foi o passo final que sinalizou o colapso da coalizão de três partidos que sustentava seu governo. Essa aliança, formada pelo SPD, os Verdes e o Partido Liberal Democrático (FDP), era considerada rara no país e ficou conhecida como a “coalizão semáforo”, em alusão às cores dos partidos envolvidos. Apesar de ser vista como uma promessa de união, a coalizão teve que enfrentar, logo no início de seu mandato em 2022, a invasão da Ucrânia pela Rússia, o que provocou um aumento nos custos de energia e pressionou a inflação, situação que afetou significativamente a Alemanha, que tem forte dependência do gás natural russo.
Bruno de Castanho Silva, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade Livre de Berlim, observa que o aumento do custo de vida provocou tensões em uma coalizão que possui visões significativamente distintas. Ele destaca que, em alguns momentos, não havia consenso entre os partidos que formavam o governo de Scholz. “Era cada um puxando a brasa para o seu lado, e os três não conseguiam chegar a um acordo em questões como o Orçamento”, afirma. Os liberais foram os primeiros a se retirar, retirando seu apoio, o que deixou Scholz em uma posição minoritária no Bundestag, o parlamento do país. O descontentamento com o governo Scholz não se limita à esfera política, mas também se reflete socialmente. O chanceler do SPD tornou-se o líder menos popular desde 1949, com sua avaliação positiva não ultrapassando 15% nas pesquisas mais recentes.
Após a derrota de Scholz no voto de confiança, o presidente do país, Frank-Walter Steinmeier, decidiu dissolver o parlamento e convocou novas eleições gerais para o dia 23 de fevereiro. Mesmo enfrentando uma baixa popularidade, Scholz foi escolhido pelo SPD como seu candidato para a disputa. Ele terá que concorrer contra Friedrich Merz, da União Democrática Cristã (CDU), Robert Habeck, dos Verdes, e Alice Weidel, do AfD.
Nas pesquisas atuais, Friedrich Merz e o CDU/CSU, partido da ex-chanceler Angela Merkel, estão na liderança com 30% das intenções de voto. Em seguida, aparece Weidel e o AfD com 21%. O SPD de Olaf Scholz deve sofrer uma considerável redução, ocupando a terceira posição pela primeira vez em sua história, com apenas 16% das intenções de voto, indicando uma perda de quase 10 pontos percentuais desde as eleições de 2021. Outras siglas, como o BSW, A Esquerda e o FDP, estão lutando para garantir ao menos 5% dos votos, um limite mínimo para se manterem no Bundestag. Apesar da ampla vantagem do CDU, esta eleição na Alemanha revela questões cruciais na maior economia da Europa.
Segundo pesquisa do Forschungsgruppe Wahlen, 35% da população expressa preocupação com a situação financeira do país, em um momento em que o PIB da Alemanha está em retração pelo segundo ano consecutivo, acompanhado de demissões em massa e fechamento de fábricas em algumas regiões. A Alemanha enfrenta concorrência crescente da China no setor automobilístico, o que resultou em uma queda nas exportações devido ao avanço tecnológico desse país. “A Alemanha está ficando para trás em alguns aspectos e avança lentamente em suas tentativas de recuperação”, observa o professor da Universidade Livre de Berlim. A imigração também se destaca como uma preocupação significativa para os alemães, uma vez que o país abriga uma das maiores comunidades de imigrantes da Europa. Durante o governo de Angela Merkel, muitos sírios encontraram refúgio no país em meio à guerra civil.
Nos últimos anos, o debate sobre as políticas de imigração tem ganhado força, especialmente com a tendência de outras potências em endurecer suas legislações. Projetos de lei do CDU/CSU que visam restringir a imigração estão ganhando apoio no Bundestag, inclusive com o respaldo da extrema direita.
A AfD, pela primeira vez, pode alcançar a segunda posição nas eleições gerais. O partido tem consolidado sua presença na cena política com um discurso enfático contra a imigração e contra o establishment. Se as pesquisas se confirmarem, o AfD terá crescido 11 pontos percentuais em apenas três anos, uma ascensão rápida e popular. “A AfD fez um bom trabalho de base. Apresentam uma narrativa acessível, afirmando que as coisas estão mal, e o público ressoa com isso”, aponta Castanho Silva.
O crescimento do partido pode ser atribuído à normalização da extrema direita em outras nações europeias, como Itália, Áustria e Países Baixos, que recentemente elegeram líderes da direita radical. Entretanto, experiências recentes da Áustria e dos Países Baixos mostram que o AfD pode enfrentar desafios se alcançar o poder na Alemanha. “Há dez ou quinze anos, seria impensável que um partido à direita do CDU fosse o segundo colocado”, afirma o professor, apontando que essa mudança está conectada, entre outras coisas, ao descontentamento popular com a situação econômica. Garantir uma maioria para Weidel e seus apoiadores pode se tornar uma tarefa difícil, dado que os outros partidos já indicaram que não estão dispostos a formar uma coalizão com a AfD. Segundo Castanho Silva, isso poderia limitar o crescimento do partido e de sua líder no país.