As disparidades entre os governos do Brasil e da Argentina no campo político não impactaram negativamente as montadoras de automóveis brasileiras, que encontraram um ambiente propício para a comercialização de seus produtos no país vizinho. As importações argentinas têm sido fundamentais para as exportações de veículos do Brasil, ajudando a compensar a significativa diminuição nos pedidos originários do México. Em 2023, dois a cada cinco carros vendidos na Argentina foram importados do Brasil.
No total, em 2024, o Brasil exportou mais de 166 mil veículos ao mercado argentino, o que gerou um faturamento de aproximadamente US$ 2,58 bilhões. Esse volume representa um aumento de 50% em relação ao total de 2023 e é o maior registrado nos últimos quatro anos. O faturamento, 60% superior ao do ano anterior, também é o maior desde 2018, quando alcançou US$ 4,61 bilhões. Os dados foram obtidos do Comex Stat, sistema de estatísticas da Secretaria de Comércio Exterior. Embora não chegue a igualar os níveis de exportação de anos anteriores — onde, em 2017, o volume de carros brasileiros exportados era três vezes maior —, as vendas para a Argentina têm proporcionado uma recuperação que as montadoras consideraram uma boa surpresa.
Após um recuo acumulado de 28,3% até junho, as exportações totais de veículos do Brasil terminaram o ano com uma queda limitada a 1,3%, segundo dados da Anfavea, entidade que representa as montadoras. No total, foram exportadas 398,5 mil unidades, com 40% destinadas à Argentina, que se consolidou novamente como o principal mercado externo dos veículos brasileiros, à frente do México, cujos pedidos diminuíram em 25%, reduzindo sua participação para 24%.
As mudanças no cenário econômico e industrial argentino têm contribuído para esses resultados. O déficit comercial foi revertido, com as exportações superando as importações em US$ 18,9 bilhões no ano anterior. Além disso, um montante de US$ 5,4 bilhões foi disponibilizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) por meio de dois acordos para estabilização econômica, ajudando a mitigar a escassez de dólares que representava um grande obstáculo nas trocas comerciais com a Argentina. As reservas internacionais do país passaram de US$ 21 bilhões antes da posse do presidente Javier Milei para mais de US$ 32 bilhões após um ano de governo, com atualizações que indicam reservas em US$ 29,5 bilhões na última segunda-feira.
Milei eliminou a necessidade de licenças para a entrada de produtos importados, facilitando o comércio, e aboliu, no final do ano passado, o imposto sobre operações de câmbio, que afetava até mesmo a aquisição de divisas para pagamentos de produtos e serviços do exterior. O governo argentino está atualmente buscando um novo acordo com o FMI para aumentar as reservas e eliminar as cotas de compra de dólares.
Embora o setor automotivo tenha experimentado crescimento, as exportações totais do Brasil para a Argentina diminuíram 17,6% em 2023, totalizando US$ 13,8 bilhões ao considerar todos os produtos. Excluindo as exportações de soja — que tiveram um elevado desempenho em 2023 devido à quebra de safra na Argentina — a queda fica em 6,8%. A resposta rápida das montadoras às medidas de abertura do comércio está vinculada à estratégia de utilizar a capacidade instalada na Argentina, que é menor do que a do Brasil, para produzir veículos maiores, como picapes e sedãs grandes, enquanto o Brasil se concentra na produção de veículos compactos com maior volume e menor custo.
Os veículos brasileiros, aproveitando uma taxa de câmbio mais competitiva, se beneficiaram do crescimento do mercado argentino no segundo semestre do ano passado. O presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, observou que, apesar das quedas em outros mercados, as exportações para a Argentina se mantiveram praticamente estáveis em 2024, podendo exceder 500 mil unidades em 2025, um aumento de cerca de 100 mil em relação aos últimos dois anos, que registraram vendas em torno de 400 mil veículos.
De acordo com o presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo, Federico Servideo, o crescimento no consumo é impulsionado pela recuperação do poder de compra dos argentinos e pelo aumento da disponibilidade de crédito. Apesar das expectativas otimistas para as vendas, Márcio de Lima Leite expressou preocupação com a entrada de veículos elétricos chineses no mercado argentino, especialmente devido à eliminação do imposto de importação sobre até 50 mil veículos eletrificados com valor de nota fiscal de até US$ 16 mil, que pode transformar a dinâmica do setor.
Estima-se que a Argentina, em razão de instabilidades políticas e econômicas e de um mercado de volume reduzido, não era um alvo prioritário para empresas chinesas. Contudo, com o crescimento da demanda e a redução das tarifas, o cenário pode sofrer mudanças significativas, potencialmente aumentando as importações de veículos fora do Mercosul.