Em agosto de 2023, o tenente-coronel Mauro Cid optou por firmar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal, comprometendo-se a revelar tudo que observou e ouviu enquanto atuava como ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. As informações fornecidas por Cid fundamentaram diversas prisões e ações de busca e apreensão contra membros do bolsonarismo. Em setembro do ano anterior, surgiram relatos que mostravam um aspecto diferente da atitude de Cid. Em conversas com pessoas próximas, ele afirmava que seus testemunhos na PF estavam sendo reinterpretados para preencher lacunas na investigação. “Eles já tinham a narrativa prontinha. Não estavam interessados na verdade, apenas queriam que eu confirmasse o que já pensavam”, afirmou Cid em um áudio.
Recentemente, um novo áudio de Cid, gravado no primeiro semestre de 2024, vazou, ampliando suas críticas sobre como suas declarações eram documentadas pela Polícia Federal e posteriormente divulgadas para a mídia. Nesse novo contexto, Cid se mostrou bastante irritado ao perceber que palavras lhe foram atribuídas pelos investigadores sem que ele as tivesse pronunciado.
“Olha, vou te contar… Isso tá travado, cara. Você percebeu que o cara usou a palavra golpe, né? Eu não mencionei essa palavra uma vez! Então, na verdade… Foi um erro, uma falha, sei lá, talvez pela minha condição psicológica naquele momento (do depoimento). P… Eu não disse golpe nem uma vez. Não disse golpe nenhuma vez”, declarou Cid.
Não é possível identificar em qual depoimento teria ocorrido essa suposta inclusão indevida da palavra “golpe”, embora se saiba que o termo figura nos relatos de Cid, registrados pela PF, desde o início de sua colaboração. Recentemente, a integral do primeiro interrogatório de Cid, onde ele descreve a participação de diversos aliados de Bolsonaro em uma suposta articulação golpista, foi divulgada.
No material revelado, Cid menciona que Bolsonaro considerava duas alternativas para se manter no poder nos últimos dias de 2022 — e, nesse contexto, a palavra golpe aparece: “A primeira seria encontrar uma fraude nas eleições e a segunda, por meio de um grupo radical, achar uma maneira de persuadir as Forças Armadas a apoiar um Golpe de Estado”, conforme a transcrição da PF.
Os registros da delação de Cid, que incluem gravações e depoimentos, ainda permanecem sob sigilo no gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Quando esse material for tornado público, será possível discernir qual versão de Cid diz a verdade: se ele é o delator que ajudou a desvendar crimes e encarcerar ex-aliados radicais ou o militar que aparenta estar arrependido por ter entregado seus companheiros à Justiça. É importante destacar que, ao longo das investigações, diversas provas foram coletadas, incluindo informações relevantes recuperadas de arquivos deletados de dispositivos pertencentes a Cid, que demonstram detalhes da suposta trama golpista por ele denunciada.
Desde que se tornou delator, Cid se envolveu em confusões que quase comprometeram seu acordo de delação. Ele foi preso novamente por Moraes por violar as condições estabelecidas, quando suas conversas sobre a delação vieram à tona. Durante depoimento no STF, Cid alegou que suas declarações nessas interações pessoais eram meramente um “desabafo” e negou que a PF houvesse agido de modo irregular durante as apurações.