Astrônomos que utilizam uma extensa rede de sensores em desenvolvimento no fundo do Mar Mediterrâneo descobriram um neutrino de alta energia, considerado a partícula “fantasma” cósmica mais potente já detectada. O neutrino, formalmente conhecido, possui energia 30 vezes superior a qualquer um dos poucos centenas de neutrinos anteriormente identificados. Essas pequenas partículas, que frequentemente são descritas como “fantasmagóricas”, conseguem atravessar qualquer tipo de matéria sem sofrer alteração, devido à sua natureza volátil.
Os neutrinos, que se originam das profundezas do cosmos, têm massa quase insignificante e conseguem viajar através de ambientes extremos, como estrelas e galáxias, sem alterar sua estrutura. A análise realizada pela Colaboração KM3NeT, composta por mais de 360 cientistas de várias partes do mundo, foi publicada em uma renomada revista científica. Os neutrinos são considerados mensageiros cósmicos, portadores de informações sobre fenômenos energéticos e detalhes sobre as regiões mais distantes do universo.
O neutrino em questão, identificado como KM3-230213A, apresentou uma energia de 220 milhões de bilhões de elétron-volts, um valor que o torna aproximadamente 30.000 vezes mais poderoso do que o gerado pelo Grande Colisor de Hádrons, localizado na Suíça. Para ilustrar essa magnitude, a energia desse neutrino equivaleria à liberada pela fissão de um bilhão de átomos de urânio, acarretando um impressionante contraste com as energias típicas observadas em reatores nucleares.
Essa detecção fornece novas evidências de que neutrinos de tal energia podem ser gerados no universo. A equipe de pesquisa acredita que o neutrino teve origem além da Via Láctea, embora ainda não tenha sido identificado seu ponto de origem exato. Isso provoca questionamentos sobre sua criação, possivelmente vinculada a eventos extremos, como buracos negros supermassivos, explosões de raios gama ou restos de supernovas.
A detecção marca um avanço significativo na astronomia dos neutrinos, assim como uma nova perspectiva para a exploração do cosmos. A rede KM3NeT, que iniciou suas operações em 2015, visa identificar neutrinos originados de fenômenos astrofísicos extremos. Os neutrinos são desafiadores de detectar, pois raramente interagem com a matéria, mas quando suas interações ocorrem com água ou gelo, geram uma luz azul que pode ser captada por sensores ópticos digitais.
Um exemplo dessa tecnologia é o Observatório de Neutrinos IceCube, situado na Antártica, que contém mais de 5.000 sensores no gelo e já identificou diversos neutrinos. Um consórcio internacional propôs a construção do KM3NeT, que busca detectar neutrinos nas profundezas do oceano. Em 13 de fevereiro de 2023, a rede detectou o neutrino de alta energia, que acendeu um dos seus detectores.
O detector ARCA do KM3NeT, localizado próximo à costa da Sicília, foi projetado para capturar neutrinos de alta energia, enquanto o detector ORCA, no sudeste da França, é voltado para neutrinos de baixa energia. Neste momento, a rede ainda está em construção, mas a quantidade de equipamentos instalados foi suficiente para registrar a detecção do neutrino. Quando a partícula atravesou o telescópio, acionou sinais em mais de um terço dos sensores ativos, produzindo mais de 28.000 fótons detectáveis.
Os autores do estudo observaram que, se a energia do neutrino fosse convertida em termos cotidianos, corresponderia a aproximadamente 0,04 joules, semelhante à energia de uma bola de ping-pong caída de um metro de altura. Essa comparação demonstra a notável capacidade de uma única partícula elementar de conter uma quantidade significativa de energia.
No campo das partículas, o neutrino foi classificado como ultraenergético, apresentando energia aproximadamente um bilhão de vezes superior à dos fótons da luz visível. A detecção de neutrinos na Terra permite que os pesquisadores identifiquem suas fontes, e compreender a origem desses eventos pode elucidar mais sobre os enigmáticos raios cósmicos, considerados os principais geradores de neutrinos quando interagem com a atmosfera.
Raio cósmicos, que compõem as partículas mais energéticas do universo, bombardeiam a Terra constantemente. Eles são predominantemente formados por prótons ou núcleos atômicos, emitidos por fenômenos tão intensos que superam as capacidades do Grande Colisor de Hádrons. Acredita-se que a recente descoberta do neutrino excepcionalmente energético esteja relacionada a eventos como explosões de raios gama ou interações de raios cósmicos com fótons da radiação cósmica de fundo, remanescente do Big Bang, acontecido há 13,8 bilhões de anos.
Durante a pesquisa, 12 possíveis blazares foram identificados como potenciais fontes do neutrino, correspondendo à direção estimada de sua trajetória, obtida através da combinação de dados dos detectores e informações de telescópios de raios gama, raios X e rádio. Entretanto, mais investigações são necessárias para confirmar essas associações.
A contínua investigação dos neutrinos promete revelar informações importantes sobre o cosmos, com cientistas se preparando para futuras explorações no campo da física de partículas e suas aplicações para entender fenômenos galácticos.