Inaceitável. No dia 1º de um sábado, as ruas da região metropolitana do Recife foram palco de uma intensa batalha urbana. Grupos de indivíduos, com rostos cobertos e armados com pedaços de pau, canos e pedras, se atacavam mutuamente. Vídeos divulgados nas redes sociais mostraram um jovem tentando, sem sucesso, refugiar-se em um prédio enquanto era perseguido e agredido constantemente por um grupo, que o atacava com socos, chutes e pauladas. Outra gravação expôs uma cena ainda mais chocante: um homem inconsciente e nu, sendo violentado por uma multidão em uma esquina da capital pernambucana. O motivo para tal violência foi um jogo de futebol. As torcidas organizadas do Sport e do Santa Cruz, que se preparavam para se enfrentar no Campeonato Pernambucano no Estádio do Arruda, estavam envolvidas no conflito. O resultado da partida é irrelevante; todos saíram perdedores.
Após os eventos de violência, o governo de Pernambuco decidiu proibir a presença de torcedores nos cinco jogos seguintes de ambos os times, tanto no Estadual quanto na Copa do Nordeste. Essa medida, apoiada pela governadora e pelo Ministério Público do estado, visava, de forma urgente, conter a violência. No entanto, em 3 de abril, o desembargador do Tribunal de Justiça acatou um pedido da diretoria do Sport e suspendeu a restrição. Em um comunicado, o desembargador ressaltou que os clubes não possuem poder para inibir a ação dos marginais, e, portanto, não deveriam ser punidos com o fechamento dos portões.
O desembargador apresenta um ponto válido e, ao mesmo tempo, uma falha. Dirigentes de clubes de futebol frequentemente demonstram indignação com esses episódios e se opõem a punições que possam afetar suas finanças. Nos bastidores, muitos deles apoiam as torcidas violentas, financiando suas caravanas e eventos. Além disso, quando o desempenho de suas equipes é insatisfatório, abrem as portas dos centros de treinamento para que jogadores sintam a pressão das arquibancadas. A inação na promoção de iniciativas que visem afastar vândalos dos estádios é uma constante.
As responsabilidades dos clubes, porém, não podem ofuscar a parcela significativa de culpa das autoridades. A recente batalha no Recife é um exemplo claro de que a implementação de regras como a proibição de torcidas rivais no estádio não resolve o problema. Estudos demonstram que a maioria dos confrontos ocorre fora dos estádios e, muitas vezes, em locais distantes e em datas diferentes das partidas. Dessa forma, a exclusão de torcedores rivais apenas ignora as causas da violência. Críticos, como o sociólogo especializado na questão, afirmam que essa medida expõe a fragilidade da segurança pública e alimenta a desconfiança nas autoridades, incentivando novas práticas criminosas. Além disso, a exclusão penaliza a maioria pacífica dos torcedores.
A ideia de torcida única foi proposta em 2016, em resposta a tragédias ocorridas em São Paulo, e atualmente, as partidas entre grandes clubes do estado são realizadas com apenas uma cor nas arquibancadas. Um dos defensores da iniciativa, um promotor de Justiça, afirma que a agressividade diminuiu significativamente, mas reconhece a necessidade de avançar mais. Ele destaca que é fundamental criar um sistema rigoroso de identificação, aplicar punições severas e adotar medidas adicionais para coibir atos de violência.
Frente à complexidade das questões de segurança, muitas vezes as autoridades optam por soluções imediatas. O Secretário Nacional de Segurança Pública expressou apoio à ideia de torcida única, argumentando que as alternativas têm altos custos para os órgãos de segurança, que poderiam comprometer a segurança em outros locais. Uma possível alternativa mencionada é a implementação de tecnologia de reconhecimento facial, já em fase de testes e com algum sucesso na identificação de indivíduos envolvidos em atos violentos. No entanto, saber a identidade dos agressores não é suficiente; é necessário removê-los do ambiente esportivo.
Alguns idealistas tentaram implementar uma zona mista entre torcedores de grandes clubes, como ocorreu no Rio Grande do Sul, mas a experiência revelou que a convivência pacífica logo foi superada pela violência. Diante disso, a solução parece direcionar-se para um endurecimento nas medidas contra crimes. Exemplos do Reino Unido, que enfrentou problemas graves com hooligans até os anos 1980, podem oferecer insights valiosos. Em 1985, um confronto durante um jogo entre Liverpool e Juventus resultou em 39 mortes, e, em 1989, o desastre do estádio de Hillsborough causou a morte de 97 torcedores. Esses episódios motivaram uma ampla revisão das práticas de segurança.
A primeira-ministra da época, Margaret Thatcher, convocou a elaboração de um relatório que resultou na construção e reforma de estádios, além do endurecimento das penas para aqueles envolvidos em violência. Muitas pessoas foram banidas dos estádios, com punições variando de três a dez anos, e a abordagem se mostrou eficaz. O sucesso do modelo britânico pode servir como referência para que as autoridades brasileiras adotem estratégias mais robustas. Para situações de violência como as observadas em Recife, a aplicação de penas severas, dentro da legalidade, é fundamental para transformar esse cenário.