Com a alta rotatividade de clientes, um elevado volume de pagamentos em dinheiro e diversas transações realizadas sem nota fiscal, os postos de combustíveis têm se mostrado um ambiente propício para a lavagem de dinheiro. Tal oportunidade não passou despercebida por grupos criminosos, especialmente o Primeiro Comando da Capital (PCC), cuja atenção para essa atividade cresceu à medida que a facção ampliava sua influência tanto no Brasil quanto no exterior. Em 2017, a Fecombustíveis apontou que o grupo controlava aproximadamente 150 postos no estado de São Paulo. No ano passado, estimativas de autoridades, variando do Judiciário ao governador, indicaram que cerca de 1.100 dos quase 9.000 postos no estado estavam sob o controle da quadrilha.
A resposta das autoridades tem sido considerada insuficiente diante do agravamento da situação. No entanto, surgiram promessas de ação. O ministro da Justiça e Segurança Pública instituiu o Núcleo Estratégico de Combate ao Crime Organizado, que terá como foco inicial a infiltração criminosa no setor de combustíveis. Em Brasília, um deputado está promovendo a abertura de uma CPI para investigar a atuação das organizações criminosas na aquisição e operação de distribuidoras, usinas de etanol e pontos de venda. Em São Paulo, uma investigação abrangente liderada pelo Ministério Público, em colaboração com a Polícia Federal e as Fiscais estaduais, deve resultar em uma denúncia significativa contra esses esquemas em breve.
O setor de combustíveis tornou-se cada vez mais crucial para a facção. Além de servir como um meio para a lavagem de dinheiro, transformou-se em uma fonte lucrativa para aumentar os ganhos do crime organizado. A geração de lucros se inicia com a importação ilegal de nafta, passando pela evasão fiscal e incluindo fraudes nas bombas de abastecimento. A adulteração do combustível com metanol, álcool hidratado ou água também é uma prática comum. No momento do pagamento, é possível que a máquina de cartão esteja ligada a uma fintech associada ao crime organizado. Mais recentemente, a facção começou a expandir suas operações para usinas de etanol, e a rede criminosa também é utilizada para distribuir combustíveis roubados, especialmente na região Norte. A influência do PCC se estendeu por diferentes estados, sendo que operações da polícia local e da Federal têm sido frequentes para desmantelar esquemas de lavagem de dinheiro relacionados ao tráfico.
A busca por aqueles envolvidos nas atividades criminosas apresenta dificuldades, já que a participação deles é frequentemente encoberta por diferentes estratégias. Uma delas é a multitude de empresas criadas e a complexidade da estrutura societária que estabelecem para adquirir postos pelo Brasil. Um exemplo é a Copape, investigada pelo Ministério Público por suspeitas de ser um “braço operacional” do PCC. A empresa, que tem como proprietário uma pessoa, é ligada a outro indivíduo que se apresenta como “consultor”. Há indícios de que esse consultor é na verdade o verdadeiro dono e que ele possui conexões diretas com membros da facção. Em 2024, ele e outros foram denunciados por várias práticas criminosas, incluindo adulteração de combustíveis.
Simultaneamente, em outro estado, um novo negócio começou a se destacar. Fundada em agosto, a Diamante Participações e Negócios Ltda., apesar de estar registrada em São Paulo, rapidamente se tornou sócia de nove postos de combustíveis no Rio de Janeiro. O proprietário, com um perfil financeiro pouco condizente com o de alguém que administra um negócio em expansão, tem um histórico repleto de dívidas. A maioria dos postos associados à Diamante foi registrada com um e-mail ligado a uma empresa que já foi identificada como controlada por um membro da facção. Há suspeitas de que ele possua mais de cem postos, muitos deles sem bandeira, um fenômeno crescente no país.
A atuação no setor de combustíveis representa mais uma estratégia de diversificação do PCC. Para lavar o dinheiro proveniente do tráfico de drogas e armas, a facção tem investido em diversas áreas, incluindo apostas, fintechs, produções musicais, agenciamento de atletas, mercado imobiliário e até mesmo igrejas evangélicas. Além disso, a facção tem buscado aumentar sua influência política, apoiando candidatos e, posteriormente, garantindo contratos públicos nos campos da saúde e transporte. Recentemente, o foco também se voltou para o garimpo, onde o PCC estabelece parcerias oferecendo segurança e combustíveis para os garimpeiros.
O envolvimento do crime organizado no mercado de combustíveis já chegou à atenção do governo, com alertas dados ao presidente sobre a situação. Reuniões entre autoridades discutiram a gravidade do problema e a necessidade de ações mais firmes. A proposta é que a lavagem de dinheiro e a evasão fiscal sejam tratadas como prioridades, além de abordar a falta de regulação e fiscalização, que têm impactado o trabalho da Agência Nacional do Petróleo, a qual já enfrentou dificuldades financeiras. Propostas para um operador nacional no setor de combustíveis estão em discussão na Câmara.
Um dos desafios na luta contra esse problema será investigar a possível conivência de agentes do Estado com práticas ilícitas no setor. Recentemente, vários servidores estaduais foram detidos por vazamento de informações, e há relatos de quadrilhas utilizando sinais, como balões coloridos, para avisar que certas áreas são controladas pelo crime. Essas e outras constatações demonstram a urgência de uma ação rigorosa das autoridades para restringir a atuação criminosa no setor de combustíveis, tornando-o menos acessível para atividades ilícitas.