Uma cena da novela “Vale Tudo” ganhou notoriedade nas redes sociais, com a alpinista social Maria de Fátima (interpretada por Bella Campos) comunicando à sua mãe, Raquel (Taís Araújo), o desprezo que possui pelas pessoas de baixa renda. Durante seu longo discurso, ela menciona a palavra “pobre” treze vezes, incluindo sua própria mãe entre aqueles que ela despreza, já que Raquel é considerada pobre. No passado, um personagem do humorístico “Sai de Baixo”, Caco Antibes, interpretado por Miguel Falabella, popularizou a frase “eu tenho horror a pobre”. Embora Caco vivesse em uma situação financeira difícil, seu comportamento arrogante o impedia de reconhecer sua própria realidade. É significativo notar que tanto Maria de Fátima quanto Caco Antibes, de diferentes formas, ilustram a pobreza – material e de caráter.
A aversão a pessoas de baixa renda pode ser compreendida como um elemento cômico na trama, mas se revela preocupante na vida real. Em 2017, a filósofa espanhola Adela Cortina introduziu o conceito de “aporofobia” na esfera acadêmica, termo que no Brasil foi adaptado para “pobrefobia”. Este conceito descreve a aversão a pessoas pertencentes às classes menos favorecidas, além da rejeição que essas pessoas enfrentam na sociedade. A origem da palavra remonta aos termos gregos “á-poros” (sem recursos) e “fobos” (medo, aversão). Há ainda expressões de uma mentalidade que considera a possibilidade de criminalizar a pobreza, como a ideia de encarcerar indivíduos em situação de rua.
De acordo com Cortina, essa aversão se estende a outras formas de rejeição social, como a que se observa em relação a imigrantes. Um exemplo recente é a proposta do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que incentivou a migração controlada ao sugerir a possibilidade de um visto de permanência para aqueles que pudessem pagar 5 milhões de dólares, denominado “gold card”.
“Vale Tudo”, em sua versão original dos anos 1980, serve como uma representação marcante da tensão de classes. A personagem Maria de Fátima simboliza aqueles que desprezam até mesmo familiares por questões financeiras, a ponto de tomar medidas drásticas, como vender a casa e deixar a mãe desamparada. Em contraposição, a vilã Odete Roitman é uma rica milionária que demonstraria aversão ao Brasil exatamente por sua população de baixa renda. Ambas as personagens não apenas desdenham de suas origens, mas também de suas fontes de renda – a empresa da família Roitman bateu recordes de prosperidade no Brasil, enquanto Maria de Fátima se apropriou da herança da mãe, que foi adquirida honestamente pelo avô. Ao redor dessas personagens, figuras como o trambiqueiro César (Cauã Reymond) e o empresário Marco Aurélio (Alexandre Nero) exemplificam uma moralidade questionável, onde o objetivo principal é manter distância das classes que desprezam. Essa narrativa reflete de maneira crítica a elite brasileira e seus aspirantes.