O verão, considerado um dos mais quentes das últimas décadas, pode ter chegado ao fim na Argentina, mas a situação nas ruas de Buenos Aires permanece agitada. Observa-se uma sequência contínua de manifestações, sugerindo que o governo de Javier Milei enfrenta uma crescente insatisfação pública e intensa pressão social. Os protestos têm se intensificado, com grande parte da população lidando com dificuldades devido a significativos cortes de gastos e subsídios implementados. No entanto, Milei também possui alguns resultados econômicos positivos em seu portfólio: diminuição da inflação, equilíbrio nas contas públicas e indícios de recuperação do Produto Interno Bruto (PIB). O verdadeiro desafio ocorrerá em outubro, durante as eleições legislativas, onde o governo busca expandir a representação de seu pequeno partido, Liberdade Avança, e encerrar o custoso troca-troca nas votações importantes no Congresso.
Recentemente, Milei obteve uma margem apertada na aprovação de um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que ainda não está formalmente estabelecido. Uma legislação da administração de Cristina Kirchner exige a ratificação dos deputados, e, para garantir essa aprovação antecipada, o governo se preparou para uma negociação crucial referente à próxima etapa de suas iniciativas econômicas. Enquanto o Congresso realizava a votação, manifestantes aposentados, que já fazem parte da rotina da cidade, se uniram a torcedores de futebol. O ato foi reprimido pela polícia, resultando em confrontos com centenas de detidos e feridos. Em um protesto posterior, milhares de cidadãos se reuniram no Centro da cidade para o Dia da Memória, que commemorou os 49 anos do início da ditadura militar (1976-1983) e prestou homenagem às 30.000 vítimas do regime, expressando indignação contra a comparação feita por Milei entre as ações de guerrilhas de esquerda e crimes contra a humanidade. Em meio a esse clima de descontentamento, imagens do presidente com representações demoníacas foram projetadas no festival Lollapalooza.
Apesar das manifestações de descontentamento, a taxa de aprovação de Milei permanece em torno de 45%, sustentada por indicadores econômicos favoráveis. A inflação, por exemplo, foi de 2,4% em fevereiro, o que corresponde a uma taxa anual de 67%, a mais baixa desde 2020. Como consequência da estabilização de preços, as vendas nos supermercados registraram um aumento de 4% em janeiro. Adicionalmente, o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) divulgou que o PIB apresentou crescimento nos dois últimos trimestres de 2024, fechando o ano passado com uma queda de 1,7%, uma redução menos severa do que os 3,5% previstos pelo FMI. Em um resultado simbólico para a agenda ultraliberal, fevereiro também apresentou um superávit primário de 1,1 bilhão de dólares, marcando o 13º mês consecutivo de contas positivas.
Os indicadores econômicos estão impulsionando a expectativa da Casa Rosada de que o pior momento do chamado Plano Motosserra tenha sido superado, embora novos desafios continuem a surgir. Após uma desvalorização acentuada no início de seu mandato, Milei conseguiu limitar a queda do peso a apenas 2% ao mês durante o ano passado, resultando em uma valorização de quase 50%. Entretanto, especialistas, como o economista José Roberto Mendonça de Barros, alertam que essa estratégia pode não ser sustentável a longo prazo.
Com a sobrevalorização do peso, um número crescente de turistas argentinos optou por passar férias em países vizinhos, enquanto o fluxo de importações intensificou-se, levando a balança comercial a registrar déficits desde junho. Essa situação se torna alarmante, uma vez que a Argentina enfrenta uma escassez crônica de reservas cambiais. Diante desse contexto, a Casa Rosada busca apoio até mesmo de líderes internacionais, como Donald Trump, para facilitar a liberação de um novo empréstimo do FMI. Sem essa assistência, os desafios econômicos parecem longe de serem resolvidos.