Um fóssil excepcionalmente bem conservado, datado de 113 milhões de anos, foi descoberto no interior do Ceará, constituindo o registro mais antigo de uma formiga já reconhecido pela ciência. Este espécime, pertencente à subfamília extinta Haidomyrmecinae, comumente chamada de “formigas do inferno”, representa o primeiro exemplar encontrado em rocha calcária, ao invés de âmbar. A pesquisa foi realizada por especialistas do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo e recentemente divulgada na revista Current Biology.
A nova espécie, denominada Vulcanidris cratensis, foi localizada na Formação Crato, na região do Araripe, famosa pela abundância de fósseis do período Cretáceo. Anteriormente, os registros mais antigos de formigas eram provenientes de depósitos de âmbar da França e de Myanmar, com idades de até 100 milhões de anos. A descoberta atual retrocede essa linha do tempo em pelo menos 13 milhões de anos, ampliando a compreensão sobre a origem e a dispersão dos primeiros grupos de formigas.
A análise detalhada do fóssil por meio de microtomografia revelou um aparelho mandibular altamente especializado, com mandíbulas direcionadas para cima e uma projeção facial, características típicas das formigas do inferno. Essas adaptações sugerem comportamentos de caça complexos, como a habilidade de prender ou perfurar presas, o que difere substancialmente das estratégias de caça observadas em formigas modernas. Além disso, essa descoberta enriquece o entendimento sobre a biogeografia desse grupo de formigas, já que até agora, fósseis de Haidomyrmecinae eram limitados principalmente a regiões do hemisfério norte. A localização do fóssil no Brasil indica que essas formigas também estavam presentes no hemisfério sul, sugerindo uma dispersão global precoce, potencialmente facilitada pelas conexões entre os continentes de Gondwana e Laurásia durante o Cretáceo.
Embora o fóssil possua mandíbulas que aparentam ser ameaçadoras, ele foi encontrado em um contexto onde formigas não eram os predadores dominantes. Outras linhagens de insetos, como vespas e baratas, eram mais prevalentes na região. No entanto, a presença de uma espécie tão especializada em um ambiente semiárido e sazonal, como no Bacia do Araripe, reforça a hipótese de que as primeiras formigas ocupavam variados nichos ecológicos. O espécime em questão faz parte da coleção do Museu de Zoologia da USP, e a pesquisa contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que também financiou as análises usando tomografia computadorizada.