O antropólogo Juliano Spyer está empenhado em revelar o contexto evangélico para aqueles que, por preconceitos, ainda não percebem a expressão social, política e econômica de um grupo que conta com mais de 80 milhões de integrantes no Brasil. Após a publicação do livro “O povo de Deus” há cinco anos, que introduziu o tema à academia e setores da esquerda, Spyer, junto a Guilherme Damasceno e Raphael Khalil, apresenta agora “Crentes — Pequeno manual sobre um grande fenômeno”.
Em uma entrevista, Spyer pontua que a necessidade de um manual sobre o fenômeno evangélico surge da dificuldade de diversos setores da sociedade, especialmente nas universidades, em compreender essa vertente religiosa. Ele observa que a maioria dos evangélicos brasileiros é composta por indivíduos que pertencem a grupos demográficos mais vulneráveis, de cor preta, predominantemente femininos e urbanos, revelando a desconexão com os pensadores e intelectuais do Brasil.
Ele argumenta que a academia ainda enxerga os evangélicos de maneira simplista e preconceituosa, embora isso esteja começando a mudar, principalmente entre empresários que reconhecem como a abordagem ao público evangélico pode impactar seus negócios. Spyer ressalta que os evangélicos possuem valores morais que, se desrespeitados na comunicação, podem resultar em descontentamento e afastamento dessa base consumidora.
O livro, com 237 páginas, explora os fundamentos das igrejas evangélicas, a relevância da música, gírias, questões de gênero, sexualidade e política, sempre de forma instrutiva. Na entrevista, Spyer é questionado sobre as diferenças entre o lançamento de “O povo de Deus” e “Crentes”, especialmente em um contexto eleitoral. Ele menciona uma mudança no entendimento da complexidade do universo evangélico por parte de políticos e partidos, que antes viam os crentes apenas como figuras simplificadas.
Spyer menciona um “bloqueio cognitivo” que impede uma compreensão mais profunda da relevância do campo evangélico e aponta que ainda persiste a ideia de que a esquerda é vista como adversária do cristianismo evangélico. Este entendimento, no entanto, começa a ser abordado de forma diferente, principalmente pela iniciativa de comerciantes em se conectar de maneira mais efetiva com o eleitorado evangélico.
No que tange à economia, observa-se uma crescente sensibilidade do setor empresarial em relação aos valores evangélicos, especialmente considerando os temas morais que têm emergido com força recente. Por exemplo, práticas publicitárias que tocam em questões delicadas, como sexualidade, podem afastar o público evangélico das marcas.
O estudo também aborda as oportunidades de negócios associadas à comunidade evangélica. Há uma demanda considerável em setores como moda e beleza, principalmente entre os evangélicos pentecostais que se preocupam com sua imagem e forma de ser percebidos.
Em termos eleitorais, pesquisa indica que o voto evangélico favoreceu candidatos de direita nas duas últimas eleições presidenciais. A comunicação da esquerda com esses eleitores tem demonstrado ineficácia, e muitos que votam nesse espectro mantêm suas preferências em sigilo. Spyer destaca que a presença bolsonarista é característica de um grupo mais combativo, que não aceita divergências.
O perfil dos evangélicos que não apoiam Bolsonaro se divide em dois grupos: aqueles das igrejas históricas, como a batista ou metodista, e aqueles das pentecostais tradicionais, que ainda mantêm um vínculo de gratidão com políticas públicas. Além disso, o armamento promovido por Bolsonaro foi encarado negativamente por segmentos do eleitorado feminino mais pobre, que associam isso à antítese dos ensinamentos de Jesus.
A abordagem dos bolsonaristas quanto a essa desconfiança foi mediada pelo envolvimento ativo de Michelle Bolsonaro, que, através de uma atuação eficaz e organizada, conquistou a confiança de eleitoras, estabelecendo uma conexão entre seu voto e a expectativa sobre sua influência no relacionamento com Deus.