Os pangolins possuem duas características notáveis: são os únicos mamíferos do mundo com escamas e figuram entre os animais mais traficados em nível global. Apesar disso, a maioria das pessoas não conhece muitos detalhes sobre eles. Para mudar essa situação, um novo documentário da Netflix, intitulado “Pangolim: A Viagem de Kulu”, foi produzido. O longa-metragem de 90 minutos narra a história de Kulu, um pangolim-terrestre de três meses resgatado do comércio ilegal de vidas selvagens, e detalha o extenso processo de reabilitação para reintegrá-lo ao seu habitat natural na África do Sul.
Kulu é descrito como tendo uma personalidade distinta, sendo teimoso e curioso, desafiando a presença de humanos ao seu redor. Essa característica é destacada por Gareth Thomas, um voluntário de conservação que participou da operação de resgate do animal. O processo de reabilitação de pangolins é classificado como “incrivelmente intensivo”, pois esses animais frequentemente não se alimentam adequadamente em cativeiro. Para superar essa dificuldade, eles necessitam de caminhadas diárias, que podem chegar a seis horas, permitindo que se alimentem de formigas e cupins, além de se adaptarem às novas condições de seu habitat e superarem o trauma do cativeiro.
Kulu, inicialmente nomeado Gijima, um termo em zulu que significa “correr”, foi desde o começo ativo e cheio de energia. Durante os seis meses de reabilitação, ele passou a ser chamado de Kulu, uma tentativa de acalmá-lo com um nome que significa “fácil”. Gareth Thomas, que há anos viveu em regiões selvagens da África do Sul e do Zimbábue, buscou retornar à sua conexão com a natureza e se tornou um voluntário ativo em instituições de conservação.
As filmagens realizadas por Thomas foram cruciais para o desenvolvimento do documentário, uma vez que os pangolins são criaturas altamente sensíveis, o que limitou as oportunidades de gravação. A proximidade que Thomas criou com Kulu permitiu que as filmagens capturassem momentos íntimos e reais da experiência do pangolim. Embora haja semelhanças temáticas com o documentário “Professor Polvo”, a diretora do novo filme, Pippa Elrich, destaca que as diferenças nos ecossistemas influenciaram a abordagem da produção.
A principal ameaça enfrentada pelos pangolins é a caça furtiva, que alimenta um comércio ilegal avaliado em aproximadamente 20 bilhões de dólares. As escamas, a carne e outras partes do corpo são demandadas pela medicina tradicional, e as peles são usadas na fabricação de couro. Dados de ONGs como a Traffic revelam que os pangolins são frequentemente traficados para a China e os Estados Unidos, com um notável aumento da caça furtiva na África nos últimos anos, uma vez que múltiplas espécies estão criticamente ameaçadas.
Ray Jansen, um dos cofundadores do Grupo de Trabalho Africano para Pangolins e ativo no documentário, documentou o impacto da caça furtiva e participou de várias operações de resgate. A mudança nas penalidades contra o tráfico no Sudáfrica, com sentenças mais severas, é um passo positivo, mesmo que o crime organizado ainda represente um grande desafio.
A reabilitação de pangolins é um processo complexo, conforme explica a veterinária Karin Lourens, cofundadora do Hospital Veterinário de Vida Selvagem de Joanesburgo. Os pangolins resgatados frequentemente chegam em condições críticas, necessitando de cuidados específicos para recuperação. Com o suporte adequado, a taxa de sobrevivência desses animais melhorou significativamente ao longo dos anos.
A equipe de filmagem colaborou com a Lapalala Wilderness, onde Kulu foi libertado, garantindo a segurança durante o processo de filmagem e residência dos pangolins. A diretora Elrich optou por destacar a perspectiva emocional das jornadas desses animais, apesar de alguns especialistas considerarem necessário um foco maior nos perigos do comércio ilegal. Jansen, que também tinha planos de abordar essa questão, mudou de ideia após assistir ao documentário e reconheceu a importância de contar a história de Kulu.
Apesar do tráfico ainda se configurar como uma grande ameaça, fatores como cercas elétricas em reservas de caça têm resultado em numerosas mortes de pangolins em regiões como a África do Sul. Jansen e sua equipe estão conduzindo estudos para desenvolver novos designs de cercas que protegiam a vida selvagem e minimizassem esses incidentes.
Além disso, um novo centro, denominado “pangolinário”, foi criado como uma transição entre o hospital e a soltura, permitindo que mais pangolins sejam tratados e observados. Apesar das iniciativas de conservação, o número de pangolins continua a declinar, com todas as espécies classificadas como vulneráveis, ameaçadas ou criticamente ameaçadas pela IUCN.
Esses animais servem como um símbolo da fragilidade ambiental e da conexão que as pessoas precisam cultivar com a natureza. O documentário busca conscientizar o público sobre a importância da proteção dos pangolins e de seu ambiente, destacando a singularidade dessas criaturas.