No início de fevereiro, o governador do Pará revogou a Lei 10.820/2024, que aborda a carreira dos professores e a estrutura da rede estadual de ensino. Essa decisão provocou protestos por parte de lideranças indígenas no estado. A lei anterior previa o ensino remoto para a educação indígena e eliminava o Somei (Sistema Modular de Ensino Indígena), um recurso destinado a adaptar o ensino às realidades culturais dos povos indígenas. Após a revogação, o governador solicitou colaboração para criar uma nova legislação que assegure os direitos e as particularidades da educação indígena.
Os protestos, endossados por professores e sindicalistas do Pará, destacaram a relevância da adaptação do ensino às diversas culturas que habitam o Brasil. Para compreender melhor o contexto da educação escolar indígena, é importante explorar sua história, significado e os desafios que enfrenta no país.
A educação escolar indígena é uma forma de ensino projetada para atender às especificidades culturais, linguísticas e sociais dos povos indígenas no Brasil. Esse modelo de educação busca preservar e fortalecer identidades, línguas e tradições, além de ir além da mera transmissão do conhecimento formal.
Historicamente, a educação indígena no Brasil teve início com a imposição das tradições culturais da Coroa Portuguesa, realizada principalmente pelos jesuítas, que buscavam converter e “civilizar” os povos indígenas por meio da catequese. A pesquisa indica que essa abordagem obrigou o uso do português e a adoção de costumes europeus, muitas vezes à custa das línguas e culturas indígenas.
Durante os períodos do Império e da República, políticas de escolarização foram implantadas, embora sempre com uma perspectiva eurocêntrica. Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 os povos indígenas garantiram o direito de manter e fortalecer suas instituições, línguas, costumes e tradições, reconhecendo assim sua organização social diferenciada.
Em 2008, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabeleceu a inclusão de conteúdos sobre a história e a cultura indígena nos currículos escolares, ressaltando a necessidade de um ensino que valorize os saberes e práticas desses povos. Um ano depois, a Educação Escolar Indígena foi organizada em Territórios Etnoeducacionais (TEE), uma iniciativa que visava criar a base para a educação prometida na Constituição. Essa medida facilitou a designação de recursos para o desenvolvimento de novas escolas e creches adaptadas às necessidades indígenas.
Um dos avanços significativos, resultante dessas políticas públicas, foi a implementação do ensino bilíngue, que permite a educação a partir da língua nativa dos povos indígenas, ao mesmo tempo em que também se aprende a língua portuguesa. Contudo, a educação escolar indígena ainda enfrenta desafios relevantes que precisam ser superados para uma efetivação eficaz e de qualidade.
De acordo com dados do Censo Demográfico de 2022, cerca de 15% da população indígena no Brasil é analfabeta. Além disso, apenas 2% das escolas do país oferecem educação indígena, conforme estudado pela Campanha Brasileira pelo Direito à Educação. A infraestrutura e a escassez de recursos pedagógicos de qualidade são barreiras importantes para o progresso do ensino.
Os dados do último Censo Escolar, realizado em 2023, revelam que apenas 24,8% das instituições de ensino disponibilizam material pedagógico, com apenas 12,8% possuindo bibliotecas ou salas de leitura. Apenas 5,5% das escolas possuem banheiros adequados às necessidades das crianças. No que tangem à tecnologia, somente 43% têm acesso à internet, enquanto quase um terço delas ainda não tem fornecimento de energia elétrica.
Em termos territoriais, de um total de mais de 178 mil instituições de ensino básico, apenas 3.541 estão situadas em terras indígenas, oferecesendo conteúdos que respeitam as especificidades etnoculturais. Há, entretanto, um compromisso do Ministério da Educação (MEC) em aumentar os investimentos para essa população.
Recentemente, a Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade anunciou que o valor destinado por matrícula na educação escolar indígena será elevado de R$ 6,3 mil para R$ 7,5 mil, a partir deste ano. Além disso, o MEC criou um grupo de trabalho para desenvolver estratégias que visem à construção da primeira Universidade Indígena do Brasil, além de um Programa de Aceleração do Crescimento que prevê investimentos para a construção de 65 escolas e 100 creches voltadas aos povos indígenas e às comunidades quilombolas.