No Evangelho de Lucas, há um ensinamento que diz: “Ninguém que já bebeu vinho velho, quer o novo; porque diz: ‘O velho é bom’”. Essa ideia de que o vinho deve ser envelhecido antes de ser consumido existe há muitos anos. Muitas pessoas ainda mantêm essa prática, como casais que guardam garrafas para serem abertas quando os filhos completam 18 anos. Contudo, essa abordagem pode ser incorreta. De acordo com Robert Parker, crítico de vinhos renomado, a guarda prolongada de vinhos “é um caro exercício de futilidade”, e pode, na verdade, resultar em prejuízos para o investimento em uma adega.
Historicamente, a crença de que vinhos melhores são os mais velhos tem sua origem em épocas em que os métodos de vinificação eram rudimentares, e o tempo de guarda ajudava a amaciar os taninos e melhorar a palatabilidade do líquido. No entanto, os tempos mudaram, e é fundamental ter cautela ao armazenar vinhos por longos períodos. Julio Kunz, vice-presidente da Associação Brasileira de Sommeliers e especialista em vinhos, explica que cada vinho possui um ciclo que inclui amadurecimento, pico de sabor e eventual decadência. Esse ciclo varia conforme as características do vinho, sendo que a acidez é um dos fatores mais importantes. No caso dos vinhos da região de Bordeaux, muitos podem envelhecer rapidamente devido à presença de Merlot. Portanto, é necessário ter cuidado com a ideia de guardar uma grande quantidade de Bordeaux da década de 1990, pois muitos destes já podem ter perdido suas qualidades.
Atualmente, estima-se que mais de 90% dos vinhos sejam elaborados para consumo em jovens ou em poucos anos. Vinhos brancos aromáticos, rosés e tintos frutados são indicados para consumo em até três anos. O famoso Beaujolais Nouveau, por exemplo, é lançado anualmente e deve ser consumido em até um ano para manter suas características leves e frutadas. Este vinho é produzido por um método específico de maceração carbônica, que provoca uma fermentação única, garantindo um resultado fresco.
Experiências em vinícolas indicam que nem sempre a guarda resulta em bons vinhos. Em uma visita a uma vinícola, uma sommelière mencionou casos de pessoas que guardaram um vinho tinto suave por mais de cinco anos, resultando em um produto estragado. Isso não é um fracasso do vinho, mas sim resultado de um armazenamento inadequado ou de uma guarda excessiva. Com o passar do tempo, vinhos mal conservados podem apresentar aromas desagradáveis e perda de acidez, tornando-se insatisfatórios ao paladar.
Entretanto, o Brasil também produz vinhos que apresentam potencial para envelhecimento, especialmente os provenientes da Serra Gaúcha, que são ricos em acidez. Estes vinhos, como cortes bordaleses, podem envelhecer de forma admirável. Além disso, recebeu-se feedback positivo de vinhos muito antigos, como um Malvasia de Cândia de 1947, que ainda apresentava uma excelente qualidade.
O armazenamento de vinhos também requer atenção a diversos fatores. Assegurar que a temperatura do ambiente esteja próxima a 15 graus e que a umidade esteja controlada é essencial. Para vinhos que suportam longos períodos de guarda, é recomendado verificar a rolha a cada quinze anos e, se necessário, realizar a troca, como praticam vinícolas tradicionais. O armazenamento inadequado pode acelerar o envelhecimento do vinho, levando-o a atingir seu pico antes do esperado ou, em cenários desfavoráveis, a se tornar inapropriado para consumo.
A evolução dos vinhos antigos, frequentemente, resulta em aromas diferentes que não se assemelham aos vinhos mais jovens, com notas de frutas secas e especiarias. Essa transformação pode não ser do agrado de todos, e apreciadores de vinhos mais jovens podem não se sentir atraídos por essas mudanças. É importante notar que o gosto por vinhos mais velhos requer prática e uma adaptação ao paladar.
Para quem está disposto a explorar vinhos envelhecidos, é aconselhável adquirir de fontes confiáveis e garantir a qualidade das garrafas. Mesmo assim, é importante lembrar que a apreciação de vinhos é uma experiência subjetiva, e seguir rigidamente a ideia do Evangelho de Lucas pode levar a equívocos ao transformar vinhos em algo insatisfatório.
Abaixo, está uma tabela com orientações sobre o tempo adequado para o armazenamento de diferentes tipos de vinhos:
- 1 ano: Beaujolais Nouveau e vinhos produzidos por maceração carbônica.
- 2 a 3 anos: Brancos aromáticos, rosés leves e tintos frutados.
- 5 a 10 anos: Chardonnay fermentados em barricas de carvalho e tintos robustos.
- 10 a 15 anos: Vinhos das regiões de Medoc, Pomerol e vinhos italianos Barolos.
- Mais de 50 anos: Vinhos fortificados ou doces, como Sauternes e Jerez, que podem ser guardados por mais de um século, preservando suas características e ganhando complexidade.