O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados não é amplamente reconhecido pela rigorosidade na análise de parlamentares acusados de quebra de decoro. Tradicionalmente, a tendência no colegiado tem sido a rejeição dos pedidos de cassação de mandatos. Um exemplo disso ocorreu em maio do ano anterior, quando o deputado Delegado Da Cunha (PP-SP) recebeu apenas uma censura verbal após ser denunciado por violência doméstica contra uma ex-companheira. Em junho, André Janones (Avante-MG) também não suportou sanção por envolvimento na prática de “rachadinha”, que consiste na apropriação de parte dos salários de servidores. Naquele momento, o entendimento predominante foi de que a acusação era anterior ao atual mandato de Janones e deveria ser analisada pelas vias judiciais, levando à conclusão de que os congressistas se distanciaram da responsabilidade. Essa cultura de complacência também resulta em que deputados investigados por crimes como corrupção na alocação de emendas sigam sem representações no Conselho. O corporativismo prevalente tende a proteger membros de todas as correntes políticas, embora ainda existam exceções.
Recentemente, o Conselho de Ética apoiou, por 13 votos a 5, um parecer que sugere a cassação do mandato do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), acusado de agredir um membro do Movimento Brasil Livre (MBL) em resposta a provocações relacionadas ao estado de saúde de sua mãe, que faleceu dias após o incidente. A decisão final a respeito desse caso será determinada em uma votação pelo plenário da Câmara, que ainda não possui data definida. Caso o parecer seja validado, será a primeira ocasião em que um deputado perderá o mandato por agressão, em um panorama onde muitos episódios desse tipo geralmente não resultam em punições. O relator que fez a recomendação de cassação para Glauber Braga, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), foi autor de uma agressão a um jornalista em 2001, mas não sofreu consequências. Especialistas em ética parlamentar têm apontado que todos os casos de agressão física na Câmara não receberam punições adequadas.
Apesar de receber apoio de aliados que admitem a ocorrência de quebra de decoro, a ideia de que a cassação é uma sanção desproporcional tem sido defendida por eles. A alegação é de que a motivação por trás da cassação é política, em razão do posicionamento de Braga contra o “orçamento secreto”, ao qual ele denunciou à Polícia Federal. O deputado declarou em uma rede social que a tentativa de cassação não se baseia em questões éticas ou morais, mas sim na intenção de silenciar a oposição àqueles que detêm poder e possuem interesses no orçamento. Desde a deliberação do Conselho de Ética, Braga entrou em greve de fome, limitando sua alimentação a água e soro, e permanece dormindo em um colchão no plenário Professor Roberto Campos. O parlamentar já apresenta sinais visíveis de desgaste físico e tem compartilhado detalhes de sua rotina com apoiadores.
Outro aspecto da sua estratégia consiste em demonstrar que possui o apoio de várias figuras influentes. Um manifesto em defesa de seu mandato foi assinado por um grupo de religiosos e intelectuais, incluindo o escritor Frei Betto e o teólogo Leonardo Boff. O texto enfatiza a coragem de Glauber em enfrentar os seus adversários e expor as hipocrisias do sistema. O deputado foi visitado recentemente por ministros do governo, destacando a presença dos líderes da Casa Civil, Rui Costa, e da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, além da articuladora política do governo, Gleisi Hoffmann. Apesar da escassez de votos da esquerda, a solidariedade à sua causa tem sido expressiva. Em seu protesto contra a cassação, Glauber é frequentemente acompanhado por sua esposa, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), com quem tem um filho de 3 anos. Sâmia reconhece que seu marido cometeu um erro e que algum tipo de punição é necessário, porém, discorda sobre a gravidade da sanção proposta. Ela destaca que a dosimetria da pena, um aspecto fundamental em qualquer julgamento, não está sendo adequadamente considerada. Até mesmo o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, expressou seu entendimento de que a cassação seria exagerada.
A deputada observa também que colegas envolvidos em desvios de verbas e tentativas de golpe não foram sequer encaminhados ao Conselho de Ética. Ela argumenta que o processo contra Glauber está ligado à sua postura crítica e sua disposição para denunciar os poderosos. O deputado, em seu quinto mandato, estabeleceu relações tensas com muitos colegas ao criticar posturas que considera abusivas e defender a transparência no Orçamento, o que resultou em uma onda de corporativismo que, ao invés de oferecer apoio, tem sido implacável com ele.