sexta-feira, fevereiro 7, 2025
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IMPACTOS DEVASTADORES DO VÍCIOS EM DROGAS NO MUNDO

Foram necessários muitos anos para que a sociedade reconhecesse os efeitos prejudiciais das mudanças climáticas em nosso planeta. Apesar das comprovações científicas que datam de décadas atrás, houve uma resistência significativa em relacionar o aumento do consumo de combustíveis fósseis, o incremento das temperaturas globais e os eventos climáticos extremos que ocorreram. Essa hesitação pode ser atribuída, em grande parte, à distorção entre causa e efeito, tanto em termos de tempo quanto de espaço. Esse fenômeno encontra paralelos em outra questão crítica da atualidade: a produção, o tráfico e o consumo de substâncias ilícitas.

A produção de narcóticos, como a cocaína, gera efeitos não apenas sociais, mas também ambientais. Um exemplo claro da interconexão entre as mudanças climáticas e o narcotráfico é observado na utilização da terra. O aumento da demanda por cocaína em diversos países ocidentais leva à modificação da utilização do solo, resultando no desmatamento de florestas na América do Sul para o cultivo de plantas de coca. Além disso, o processo de transformação da coca em cocaína utiliza substâncias químicas nocivas, que contaminam o solo e os cursos d’água nas adjacências, prejudicando as populações locais que perdem acesso a água potável e terras cultiváveis.

Enquanto essa situação perdurar, as comunidades afetadas terão dificuldades em viabilizar o cultivo agrícola para sustento, além de depender de fontes de água potável. Anualmente, um número cada vez maior de pessoas se junta aos milhares que perdem a vida, direta ou indiretamente, devido ao uso de drogas ilegais. Para aqueles que se dedicam ao estudo das repercussões do uso de substâncias, é evidente que uma transformação radical na forma de abordar a questão das drogas se faz necessária.

Há evidências concretas mostrando que as drogas, tanto naturais quanto sintéticas, têm desestabilizado instituições políticas e legais em diversos países, devastado comunidades inteiras e destruído milhões de vidas. Diante disso, é pertinente questionar por que, assim como no caso das mudanças climáticas, existe a relutância em reconhecer a ameaça existencial que o uso de drogas representa para a humanidade.

Atualmente, alguém pode perceber uma desconexão significativa entre usuários e produtores de drogas. Historicamente, o problema do uso de substâncias tem sido interpretado como uma questão predominantemente ocidental, afetando principalmente a Europa, América do Norte e Australásia. Essa concepção foi impulsionada pelo discurso do ex-presidente dos EUA, Richard Nixon, em 1971, que declarou a “guerra às drogas”, identificando o abuso de substâncias como o “inimigo público número um”.

Essa visão centrada no Ocidente resultou em uma escassez de dados sobre o uso de drogas e seus efeitos na África, por exemplo. Contudo, é cada vez mais evidente que o impacto do narcotráfico e suas consequências se estendem além das fronteiras ocidentais tradicionais. O uso de drogas ilícitas cresceu 20% na última década, parcialmente impulsionado pelo aumento populacional. Aproximadamente 300 milhões de pessoas fazem uso regular de substâncias ilícitas, sendo a maconha, com cerca de 228 milhões de usuários, os opioides, com 60 milhões, e a cocaína, com 23 milhões, as mais consumidas. Consoante dados da ONU, o impacto das drogas, assim como o das mudanças climáticas, ameaça a sobrevivência de populações inteiras, com muitos permanecendo alheios à forma como as drogas são produzidas, distribuídas e à miséria que geram ao longo de sua cadeia de suprimentos.

A produção de cocaína, por sua vez, está intimamente ligada a atos de violência e exploração nas diversas etapas de sua fabricação. O aumento da demanda por cocaína nos EUA e na Europa tem gerado um incremento nas ameaças de morte a agricultores e traficantes involuntários. Os grupos de crime organizado, que não apenas fornecem e distribuem drogas, mas também estão envolvidos no tráfico de pessoas para diversos fins, exercem uma influência significativa, agindo com a mesma infraestrutura utilizada para o transporte de substâncias ilegais.

O atual cenário demonstrou que muitas pessoas que consomem cocaína não estão cientes, ou preferem ignorar, a violência que permeia todo o processo de fornecimento da droga. Embora o sofrimento associado à produção de substâncias como a cocaína às vezes ganhe destaque na mídia, frequentemente é eclipsado pela glamourização do tráfico em produções cinematográficas e na televisão. As preocupações, quando surgem, costumam focar nos efeitos visíveis do uso de drogas nas comunidades, como os dependentes de heroína, esquecendo que outros indivíduos já sofreram antes que essas drogas chegassem ao consumo nas ruas.

A dinâmica do tráfico de heroína exemplifica como o fornecimento de drogas é uma questão global, afetando comunidades ao longo de seu percurso, desde os agricultores no Afeganistão até os envolvidos na facilitação do trânsito das substâncias. A maior parte da heroína consumida na Europa é originária de pequenas plantações de ópio no Afeganistão, onde a maioria dos agricultores busca apenas sobreviver com o cultivo, não obtendo lucros significativos. Os verdadeiros ganhos financeiros são retirados por aqueles que atuam na distribuição do ópio, transformando-o em heroína.

Com o retorno do Talibã ao poder em agosto de 2021, a subsistência desses agricultores se tornou vulnerável. O grupo, que se opõe ideologicamente ao cultivo de ópio, impôs um decreto proibindo essa prática e, na tentativa de fazê-lo cumprir, destruiu plantações que não obedeceram à proibição. Apesar das restrições, estima-se que ainda haja uma quantidade significativa de heroína no país, o que não tem impactado, até o momento, o fornecimento para a Europa e o Reino Unido. Contudo, a ascensão de alternativas sintéticas, como novos opioides, pode alterar esse cenário.

Ademais, grupos que traficam heroína não se importam com o bem-estar dos agricultores que cultivam ópio. O histórico mostra que, diante de escassez na oferta de substâncias ilícitas, o crime organizado adota rapidamente alternativas que se adequam à demanda. Embora coletar informações sobre grupos de crime organizado seja um desafio, a EU Drugs Agency (EUDA) contribuiu com dados sobre as operações desses grupos, revelando que a Holanda se configura como um centro significativo de distribuição de heroína.

As redes criminosas de origem curda também desempenham um papel crucial na cadeia de fornecimento. Estas redes, bem organizadas, criaram negócios legais que facilitam suas atividades ilícitas ao longo das rotas comerciais, especialmente na Europa. Em contraste, as respostas governamentais e policiais às emergências do narcotráfico parecem lentas e frequentemente incapazes de acompanhar as táticas dos criminosos.

Frente ao incremento das técnicas de detecção de drogas, as organizações criminosas têm se mostrado criativas. Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, traficantes utilizaram remessas de equipamentos de proteção, como máscaras, para mascarar a passagem de grandes quantidades de cocaína. Além disso, com a saturação dos mercados ocidentais, essas organizações passaram a explorar novos consumidores na Ásia, onde o uso de cocaína também apresentou aumentos nas apreensões. Simultaneamente, a metanfetamina, um estimulante sintético, viu seu uso crescer rapidamente na região.

Para as organizações criminosas, produzir e fornecer drogas sintéticas é uma tarefa menos complicada, pois não depende de práticas agrícolas e pode ser feita localmente. Essa dinâmica diminui as necessidades logísticas de transporte e facilita a eficácia da cadeia de suprimentos. Dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime indicam que essas redes estão aproveitando lacunas na aplicação da lei e na governança para expandir suas operações.

As situações de instabilidade oferecem oportunidades para que aqueles que lucram com a dependência de drogas se beneficiem. Zones de conflito, como na Síria, Rússia e Ucrânia, demonstraram potencial para enriquecer indivíduos por meio do tráfico.

Entretanto, existem exemplos que insinuam que a mudança é viável. Em diversos contextos, iniciativas locais e até políticas em estados específicos têm surgido com um viés otimista. As soluções engenhosas de pessoas diante de crises muitas vezes superam expectativas. Um exemplo envolve o uso de heroína por indivíduos para aliviar sintomas psicóticos, assim como a introdução de medicamentos, como a naloxona, que interrompem os efeitos dos opioides temporariamente, abrindo espaço para atendimentos de emergência em casos de overdose.

A resposta ao HIV no Reino Unido na década de 1980 exemplifica uma abordagem eficaz diante de um problema de saúde pública. Apesar da multiplicidade de reações adversas, o governo mobilizou uma série de estratégias focadas em grupos de maior risco, incluindo usuários de drogas. Essa implementação de políticas abrangentes possibilitou atender adequadamente os afetados e controlar a disseminação do HIV.

Outro exemplo positivo pode ser encontrado na Escócia, que recentemente inaugurou uma instalação segura para o consumo de drogas, promovendo o uso de equipamentos esterilizados e reduzindo a propagação de doenças transmissíveis. O modelo de Portugal, que desde 2000 adotou uma abordagem mais humanizada em relação ao uso de drogas, resultou em gains significativos em termos de vidas salvas.

A história do desperdício de recursos na guerra contra as drogas, que começou com Nixon e se perpetuou em diversos governos ocidentais, apresenta-se como um contraste marcante com os esforços de mudança e inovação que deveriam guiar as políticas sobre drogas. Assim, o apelo aos formuladores de políticas é que utilizem a mesma rigorosidade científica empregada em questões de saúde para enfrentar a problemática do uso de drogas.

A ciência e a pesquisa são ferramentas que podem contribuir amplamente, desde a implementação de espaços seguros para consumo até o combate à desigualdade social, que frequentemente alimenta o uso problemático de substâncias. Embora muitos esperem que sejam os políticos a liderar tais mudanças, na verdade, é a sociedade que possui o poder de transformação. A maior ameaça que o uso de drogas representa à sociedade é a ignorância, assim como a estigmatização, que impede a busca por ajuda por parte de indivíduos afetados.

As crenças são obstáculos desafiadores de superar. Assim como no contexto das mudanças climáticas, a mudança de perspectiva muitas vezes ocorre por meio de experiências pessoais. A relação com overdoses surge como um ponto de inflexão que pode alterar noções e percepções, no entanto, essa não é a forma ideal para provocar transformações necessárias em nossa sociedade.

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