Em 1973, Isabel Allende encontrou Pablo Neruda em Isla Negra, no litoral chileno, visando entrevistá-lo para uma revista. A visita resultou em um conselho do laureado com o Nobel de Literatura: deixar o jornalismo e se dedicar à escrita de romances. Neruda acreditava que ela possuía mais talento para a ficção do que para a realidade. Inicialmente, Allende não aceitou a sugestão. Contudo, dois meses depois, sua vida e a do país mudariam drasticamente. O golpe de Estado perpetrado por Augusto Pinochet resultou na morte do presidente Salvador Allende, tio de Isabel. Neruda, crítico do regime, faleceu logo em seguida em condições suspeitas. Isabel, então, se tornou alvo do regime e precisou fugir do Chile. Ela recorda com emoção o momento em que sobrevoou a Cordilheira dos Andes. Na década seguinte, em exílio, decidiu finalmente seguir o conselho de Neruda. Através da ficção, encontrou uma maneira de se conectar com seu país, mesmo que apenas em sua mente. Contudo, manteve-se atenta à realidade. Em 1982, lançou “A Casa dos Espíritos”, uma obra fundamental do realismo mágico que narra a saga de quatro gerações de uma família chilena, abordando desde a busca por um país próspero até o autoritarismo da ditadura.
Aos 82 anos, Allende continua ativa e acaba de lançar “Meu Nome É Emilia Del Valle”, publicado pela Bertrand Brasil. O romance acompanha a vida de uma jornalista durante a guerra civil que dividiu o Chile no final do século XIX. Emilia é ancestral de Clara del Valle Trueba, protagonista de “A Casa dos Espíritos”, que foi adaptado para o cinema em 1993 com Meryl Streep no papel principal. Allende expressou sua satisfação pelo fato de que a nova obra será adaptada para uma minissérie em espanhol, produzida por chilenos, o que considera essencial para a compreensão da narrativa.
Desde que se estabeleceu nos Estados Unidos, Allende afirma que o Chile permanece profundamente arraigado em sua identidade. Escrevendo em espanhol, seus livros acumulam impressionantes 80 milhões de cópias vendidas globalmente. A autora utiliza a ficção e a fantasia para explorar dramas históricos que impactaram o Chile e a América Latina. Com um enfoque pessoal, as obras de Allende também refletem suas próprias vivências e traumas, como evidenciado em sua obra “Paula” (1994), que aborda a perda de sua filha, e em “Meu Nome É Emilia Del Valle”, que contém elementos autobiográficos.
A narrativa de “Meu Nome É Emilia Del Valle” foca na vida de Emilia, resultante de um breve relacionamento entre uma noviça americana e um forasteiro chileno. O pai a abandona, e a mãe se casa com um amigo. Emilia, apaixonada por livros, começa a escrever histórias de mistério sob um pseudônimo masculino, mas logo enfrenta dificuldades, percebendo que não tem talento para os romances que tenta criar. Eventualmente, ela se torna correspondente de guerra no Chile, motivada pelo desejo de conhecer seu pai. Isabel Allende compartilha que sua própria experiência com seu pai biológico, Tomás Allende, foi limitada; ela foi criada com amor por seu padrasto e tentou, mas não conseguiu, seguir o caminho da literatura feminina. Seus romances, mesmo com capas coloridas e conteúdos aparentemente leves, abordam questões profundas sobre a vida, a sociedade e a política.
Um tema recorrente na obra de Allende é o deslocamento humano. A autora possui uma fundação que apoia iniciativas em defesa dos direitos de mulheres e imigrantes, enfrentando desafios devido à política rigorosa adotada nos Estados Unidos. Isabel enfatiza a continuidade de seu trabalho, apesar das adversidades. Sua contribuição para a literatura é inegável e suas obras apresentam narrativas que refletem a rica cultura latina.
Allende expressa suas reflexões sobre o Chile e a evolução de sua obra. Apesar de viver fora do país por décadas, o Chile permanece como um elemento central em sua escrita e identidade. A autora compartilha sobre o trabalho da fundação e os desafios enfrentados diante da política atual. A preocupação com a separação de famílias imigrantes na fronteira é uma questão que a preocupa. A próxima adaptação de “A Casa dos Espíritos” para uma minissérie a anima, embora reconheça as limitações das adaptações hollywoodianas. Isabel Allende continua comprometida com sua escrita, motivada pela paixão pela literatura e pela vontade de manter sua produção vibrante.