O Exército Israelense está intensificando suas operações terrestres na Faixa de Gaza, estabelecendo uma extensa zona de segurança entre o território de Israel e Gaza, o que resulta no deslocamento de centenas de milhares de civis palestinos para áreas cada vez mais restritas ao longo da costa do Mediterrâneo. Dados de uma análise indicam que as Forças de Defesa de Israel emitiram 20 ordens de evacuação desde 18 de março, abrangendo grandes partes de Gaza, incluindo toda a cidade de Rafah, situada no sul da região. Segundo a Organização das Nações Unidas, aproximadamente 400 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas nas últimas três semanas, em meio à intensificação das operações militares israelenses cujo objetivo é pressionar o Hamas a liberar reféns israelenses, tornando grande parte de Gaza inabitável ou de difícil acesso.
No dia 11 de março, as ruas da Cidade de Gaza estavam repletas de civis que fugiam, levando o que podiam e abandonando áreas centrais e do norte do território. Raed Radwan, um dos deslocados, comentou sobre a situação ao observar que o bairro de Sheikh Radwan estava “completamente tomado por tendas e famílias deslocadas”. Ele relatou a presença de barracas e pessoas se acomodando ao longo das vias, em condições muito difíceis, enquanto escavadeiras tentavam remover os escombros de casas destruídas para abrir espaço para mais tendas. Outro morador, Hatem Abdulsalam, expressou suas preocupações com a higiene, destacando os problemas relacionados ao lixo acumulado nas ruas, e a presença de insetos, tornando a situação insustentável.
O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) divulgou que, até sexta-feira, mais de dois terços da Faixa de Gaza estão sob ordens de evacuação ativas ou são classificadas como “zonas proibidas”, necessitando que as equipes humanitárias coordenen seus movimentos com as autoridades israelenses. O plano de Israel, conforme delineado pelo ministro da Defesa Israel Katz, é esvaziar grandes áreas de Gaza e categorizar qualquer pessoa que permanecer nesses locais como combatente. As autoridades israelenses afirmam que o objetivo é aumentar a pressão sobre o Hamas para que este faça concessões nas negociações para a liberação dos reféns remanescentes.
Durante uma visita à Faixa de Gaza, Katz afirmou que muitas partes da região estão sendo incorporadas às zonas de segurança de Israel, o que está resultando em um Gaza menor e mais isolada. Ele mencionou a divisão de Gaza em diferentes setores, incluindo áreas como a rota de Morag, onde as operações israelenses anteriormente não haviam sido realizadas. As Forças de Defesa de Israel informaram que a ocupação do Corredor de Morag implica que a “cercadura de Rafah foi concluída”. Fontes indicam que Israel planeja manter controle significativo sobre partes da Gaza por tempo indefinido.
Apesar de 18 meses de conflito, Israel continua a enfrentar resistência por parte do Hamas. Em agosto do ano passado, Israel declarou que a Brigada de Rafah do Hamas havia sido derrotada após assumir o controle do Corredor Filadélfia, na fronteira com o Egito. No entanto, nos últimos dias, o novo chefe do Estado-Maior das IDF declarou às tropas que a expectativa é derrotar a Brigada de Rafah do Hamas e alcançar vitória em suas operações. No último sábado, três foguetes foram lançados do sul da Faixa de Gaza em direção a Israel, mesmo com o controle militar israelense sobre grande parte da área.
A estratégia de Israel pode vislumbrar outro intuito: tornar a vida dos palestinos numa área cada vez mais restrita e sem condições adequadas de sobrevivência tão insuportável que eles busquem uma saída. O ministro da Defesa insinuou esse aspecto ao afirmar que o país trabalha para avançar com um plano de migração voluntária dos residentes de Gaza, alinhando-se à visão do ex-presidente dos EUA, que propôs um controverso plano de realocação dos palestinos e o redesenvolvimento do território. Em discurso na Casa Branca, o primeiro-ministro israelense mencionou que Israel está “permitindo que o povo de Gaza escolha livremente para onde desejar ir”, fazendo referência a países que poderiam acolher os palestinos, embora o ex-presidente tenha mostrado pouco entusiasmo em avançar com esta proposta.
O sofrimento contínuo dos civis ao longo dos últimos 18 meses se intensificou, especialmente devido à ausência de ajuda humanitária nas últimas seis semanas. As Nações Unidas destacam que possuem depósitos e centros de distribuição localizados dentro das áreas de deslocamento. As condições nos abrigos estão se deteriorando, com os prestadores de serviços encontrando dificuldades para operar e recursos se esgotando rapidamente. A produção de alimentos e a disponibilidade de medicamentos essenciais diminuíram drasticamente, gerando uma situação alarmante a respeito da saúde pública.
O Ministério da Saúde de Gaza relatou que 37% dos medicamentos essenciais estão completamente em falta, enquanto mais de 50% dos medicamentos oncológicos também estão esgotados. A emergência alimentar está se alastrando, com relatos de que a fome se intensifica. Israel impôs um bloqueio em março como parte da estratégia para pressionar o Hamas a aceitar novos termos de um acordo de cessar-fogo vigente desde janeiro; no entanto, não há indícios de que um novo acordo esteja próximo.
A situação de deslocamento é insuportável para muitos. Civis foram entrevistados e, entre eles, poucos demonstram clareza sobre a decisão a tomar: se obedecer às ordens de evacuação ou permanecer em suas localizações atuais. Faisal Jamal Faisal, de 30 anos e proveniente de Al-Shujaiya, relatou que decidiu deixar sua casa após um ataque que resultou em mortes em um prédio próximo. Com sua família, incluindo cinco crianças, ele expressou a incerteza de sua trajetória: “Não sabemos para onde estamos indo, vamos onde nossos pés nos levarem.” Ele lamentou as circunstâncias infelizes de seus filhos, que enfrentam uma infância marcada por privação de educação e lazer.
O Escritório de Direitos Humanos da ONU reportou que os ataques israelenses abalaram ainda mais a disponibilidade de abrigos, estimando que nas três semanas seguintes a 18 de março ocorreram cerca de 224 ataques contra edifícios residenciais e tendas de deslocados. Dentre os ataques que puderam ser verificados, muitas das vítimas foram mulheres e crianças. As autoridades israelenses, por sua vez, afirmam que suas ações militares são direcionadas, com medidas sendo adotadas para alertar civis sobre operações iminentes.
No entanto, essa situação pouco conforta aqueles que já perderam tudo. Abu Mohammad, de 71 anos e com problemas de saúde, declarou que já foi deslocado inúmeras vezes e que a vida, em sua perspectiva, não possui futuro ou significado.