Após um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, declarou nesta terça-feira, 28, que a deportação de brasileiros pelos Estados Unidos deve ocorrer “respeitando os requisitos mínimos de dignidade humana”. Junto com a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, Vieira enfatizou que os brasileiros não podem ser algemados ou acorrentados ao retornarem ao país.
Essa reunião foi realizada após a repatriação de 88 brasileiros que estavam nos Estados Unidos e foram deportados na semana anterior. Vieira explicou que o principal objetivo do encontro foi informar o presidente sobre os acontecimentos recentes e discutir a forma de abordar a questão no futuro, bem como conversar com as autoridades americanas para que as deportações, vistas como repatriação, obedeçam a padrões mínimos de dignidade e respeito aos direitos humanos, além da devida assistência aos viajantes.
O chanceler também mencionou que foi apresentado um relato detalhado da situação e que estão sendo buscadas soluções adequadas para garantir que os brasileiros repatriados cheguem ao Brasil com respeito às condições de direitos humanos e a devida atenção durante a viagem. Os brasileiros deportados foram detidos nos EUA por falta de documentação de imigração e relataram que sofreram maus tratos durante a viagem, incluindo o uso de algemas, agressões e a falta de acesso a banheiro e alimentação. Embora exista um acordo de deportação entre Brasil e Estados Unidos, esse tratado exige um tratamento digno e humano.
No contexto legal brasileiro, o uso de algemas é regido pela Constituição e pela Súmula 11 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estipula que o uso deve ser excecional e fundamentado. De acordo com essa súmula, as algemas só podem ser empregadas em casos específicos de resistência, risco de fuga ou ameaça à segurança de terceiros, e é necessária uma justificativa formal. O uso indiscriminado de algemas é considerado uma violação dos direitos humanos e deve ser restrito a situações excepcionais.
Assim que o avião aterrissou em solo brasileiro, a legislação nacional passou a valer, tornando ilegal o uso de algemas e correntes, que são vistos como tratamento degradante. Vieira afirmou que é inaceitável que brasileiros sejam algemados por autoridades de outro país dentro do Brasil, lembrando que já existem acordos firmados em 2018 e 2021 para regulamentar essas operações.
O ministro observou que a situação dos repatriados foi agravada por problemas mecânicos no avião, como falhas no ar condicionado, o que destacou a necessidade de buscar com as autoridades americanas condições adequadas de deportação de acordo com as leis brasileiras e normas de segurança durante o voo.
Ao ser questionado sobre a razão pela qual o governo se manifesta somente agora sobre as algemas em deportações, considerando o elevado número de repatriações desde a administração de Joe Biden, Mauro Vieira respondeu que a má qualidade das condições do voo de sábado levou à busca por melhores práticas junto às autoridades americanas. “Não podemos aceitar que as pessoas sejam submetidas a esse tipo de tratamento, especialmente correndo riscos maiores”, comentou.
O chanceler também deixou claro que não está nos planos do governo brasileiro realizar uma operação da Força Aérea para trazer brasileiros deportados dos Estados Unidos, afirmando que essa é uma responsabilidade do governo americano. Ele ainda não soube informar sobre novos voos de repatriação, ressaltando que esses voos acontecem, em média, com intervalos de pouco mais de um mês.
Na segunda-feira, a secretária de Comunidades Brasileiras no Exterior e Assuntos Consulares e Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, Márcia Loureiro, se reuniu em Brasília com o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, para discutir a deportação dos brasileiros. Essa convocação foi uma manifestação diplomática de insatisfação do Brasil em relação ao tratamento dispensado aos deportados, conforme confirmado por fontes do governo.
Em uma declaração na mesma segunda, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, expressou que não deseja “provocar” os Estados Unidos, mas ressaltou a necessidade de que os brasileiros deportados sejam tratados com “dignidade”. Ele explicou que embora as deportações estejam previstas em acordos, é fundamental que isso ocorra com respeito aos direitos básicos das pessoas, especialmente àquelas que não cometeram crimes.
Além disso, o ministro das Relações Exteriores confirmou a participação do Brasil na reunião da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), convocada no último domingo pela presidente de Honduras, Xiomara Castro, para discutir questões relacionadas à migração. O Brasil é um dos fundadores desse organismo multilateral, mas ainda não foi decidido se a participação será presencial ou virtual.