terça-feira, fevereiro 4, 2025
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O controverso medicamento de R$ 15,7 milhões que pode ser…

O governo federal avançou na liberação da distribuição gratuita do medicamento Elevidys pelo SUS, destinado ao tratamento da distrofia muscular de Duchenne (DMD), uma rara síndrome genética. O custo do medicamento pode ultrapassar 20 milhões de reais por dose, reduzindo para 15,7 milhões com desconto de impostos para a venda ao governo. A terapia gênica foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em dezembro do ano passado e tem como composto ativo o delandistrogeno moxeparvoveque, que utiliza um vírus para reprogramar as células a produzirem distrofina, a proteína muscular que está em falta em pacientes com Duchenne.

A distrofia muscular de Duchenne é caracterizada pela perda progressiva de força muscular, com os primeiros sintomas manifestando-se precocemente na infância. No Brasil, a expectativa é de que surgem entre 300 e 700 novos casos anualmente, quase todos afetando meninos. A previsão é que três em cada quatro pacientes não ultrapassem os 20 anos; a maioria dos afetados perde a mobilidade das pernas na infância e a morte ocorre em decorrência da falência dos pulmões e do coração.

Para as famílias dos pacientes com Duchenne, a chegada do novo tratamento no Brasil traz uma esperança em relação a uma condição até então sem cura. Durante o ano de 2024, o processo de inclusão do medicamento no SUS foi debatido em audiências tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados. Nos Estados Unidos, o Elevidys também recebeu aprovação no ano anterior para uso em crianças a partir dos quatro anos, com a proposta de que a administração de uma única injeção poderia potencialmente curar o paciente por toda a vida.

Contudo, o uso do medicamento gera preocupações acerca de efeitos colaterais a longo prazo que ainda não são totalmente conhecidos, dado que é uma tecnologia relativamente nova. Especialistas afirmam que não há registros de mortes associadas ao Elevidys, mas já foram observadas complicações como sérias lesões hepáticas e inflamações no miocárdio, que é o músculo responsável pelos batimentos cardíacos. Como destaca um especialista, os estudos realizados nos Estados Unidos não conseguiram comprovar a cura da doença, mas demonstraram efeitos positivos na recuperação da força muscular em crianças.

A adoção do medicamento é considerada válida, porém requer uma vigilância constante por parte do governo. A falta de dados científicos mais robustos é uma realidade comum em doenças raras, onde os tratamentos são recentes e as amostras para ensaios clínicos são limitadas, embora isso não deva desestimular a disponibilização da opção para as famílias.

Uma proposta viável seria estabelecer um acordo de compartilhamento de riscos entre o governo e a indústria farmacêutica, garantindo o monitoramento contínuo da saúde dos pacientes sob tratamento — caso os riscos aumentem, o governo poderia cancelar o pagamento e buscar indenização dos fabricantes. Esse tipo de mecanismo de compartilhamento de riscos já é utilizado em diversos países europeus, sendo considerado adequado para lidar com a incerteza que envolve estudos técnicos.

Outro ponto importante é que o Ministério da Saúde busque fornecedores internacionais que possam oferecer o mesmo tratamento a custos menores. O elevado preço do Elevidys não passa despercebido pelos especialistas: um orçamento bilionário para tratar uma quantidade relativamente pequena de pacientes se equipara a programas do ministério que atendem um número muito maior de pessoas a cada ano.

Por outro lado, a inclusão do Elevidys no SUS pode enfrentar obstáculos devido a uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal, que exige evidências científicas mais fundamentadas para a incorporação de medicamentos dispendiosos no sistema. De acordo com o entendimento predominante, é necessário estabelecer critérios rigorosos para evitar que tratamentos caros, com pouca base de comprovação de eficácia, sejam repetidamente admitidos na rede pública, visando evitar desperdícios de recursos públicos e excesso de judicialização no sistema de saúde.

A Anvisa, por sua vez, defende que a aprovação do medicamento visa atender uma população sem alternativas médicas, evidenciando que a relação entre benefícios e riscos é considerada favorável, mesmo com as incertezas. Mesmo sem comprovações de cura total da DMD, o tratamento tem mostrado resultados consideráveis na melhora das funções essenciais, como a capacidade de manter-se em pé, caminhar e subir escadas em crianças de 4 a 7 anos, que é o público-alvo para o qual o Elevidys foi aprovado.

Adicionalmente, a agência firmou um compromisso com o laboratório fornecedor para monitorar a situação por um período de 15 anos, além de realizar estudos observacionais sobre a eficácia e segurança com base em dados de pacientes tanto no Brasil quanto no exterior. A aprovação do medicamento pela Anvisa é apenas a segunda fase do processo para que o remédio seja disponibilizado pelo SUS, com a próxima etapa exigindo a aprovação pela comissão que avalia a incorporação de novas tecnologias ao sistema. O órgão pode veto à liberação do Elevidys se considerar o tratamento arriscado ou desproporcional em termos de custo.

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