Em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff e durante o desenrolar da operação Lava-Jato, o economista Paulo Guedes abordou o apresentador Luciano Huck com a intenção de convencê-lo a se lançar como candidato à presidência. Embora Guedes tenha admitido que não possui experiência em política, ele percebeu a crescente demanda por um candidato fora do establishment em 2018. Huck, no entanto, não deu continuidade à conversa, levando Guedes a buscar a ajuda de um deputado militar que tinha ganhado popularidade na internet, resultando nos eventos que se seguiram. Um fenômeno semelhante pode estar se desenrolando atualmente.
Pesquisas qualitativas realizadas recentemente em São Paulo revelaram que a insatisfação com os políticos vai além das preocupações com os altos preços dos alimentos. Críticas estão sendo direcionadas a todos os políticos, e não apenas a Lula. O ex-presidente e o Partido dos Trabalhadores (PT) foram responsabilizados pela inflação, com um participante relatando: “Vou trocar o café pelo quê? Parece que nunca foi no mercado”.
Bolsonaro também sofreu ataques, principalmente pela tentativa de modificar a Lei da Ficha Limpa, com comentários como “Quando é contra ele não vale?”. Tarcísio de Freitas foi criticado por seu apoio a Trump, com participantes expressando que “o homem de lá só pensa nos americanos. O nosso tem que pensar na gente.” A percepção do Congresso como um espaço repleto de corrupção também permanece, com um participante perguntando: “Quem ali já pegou um trem e um ônibus para chegar no trabalho?”
O Supremo Tribunal Federal (STF) é desaprovado tanto pela esquerda quanto pela direita, com críticos alegando que “só pensam neles mesmos.” Essa insatisfação ecoa um sentimento verificado nas eleições de outubro, quando candidatos com uma postura radicalmente antissistema quase venceram em cidades como São Paulo, Fortaleza, Goiânia, Curitiba e Belo Horizonte. As campanhas desses candidatos refletiram uma rejeição generalizada aos políticos tradicionais, com forte identificação com o eleitorado, uso de memes e vídeos de sucesso nas mídias sociais, além de propostas que defendem a redução do papel do Estado e a diminuição de impostos.
Mais do que simplesmente buscar a ascensão de um novo Bolsonaro, há sinais que sugerem uma procura por uma figura semelhante a Javier Milei, que prometa desmantelar o Estado assistencial do PT e governar sem a influência do Centrão, das Forças Armadas, dos partidos tradicionais e, primordialmente, sem impostos. Esse voto crítico, que se opõe a tudo e a todos, não é mais exclusividade de Bolsonaro.
A pesquisa Genial/Quaest, divulgada no início deste mês, proporcionou indícios sobre o potencial de apoio a candidatos antissistema. Personalidades como o guru de autoajuda Pablo Marçal e o cantor Gusttavo Lima têm potencial para alcançar índices de apoio consideráveis, com ambos ultrapassando os dois dígitos no primeiro turno e chegando a um terço dos votos no segundo. Esses dados indican uma demanda evidente por alternativas antissistema.
A pesquisa presidencial realizada a dezoito meses das eleições serve como um indicativo sobre o grau de reconhecimento dos possíveis candidatos. O levantamento da Genial/Quaest revelou um alto índice de desconhecimento em relação a candidatos preferidos pelo establishment, como Tarcísio, Zema, Ratinho e Caiado, evidenciado pelos seguintes resultados: Ronaldo Caiado 68%, Romeu Zema 62%, Ratinho Junior 51%, Tarcísio de Freitas 45%, Eduardo Bolsonaro 23%, Michelle Bolsonaro 22%, Pablo Marçal 32%, Gusttavo Lima 21%, Fernando Haddad 20%, Ciro Gomes 20%, Jair Bolsonaro 6%, Lula da Silva 4%.
O sentimento antissistema tende a impactar mais aqueles que estão em exercício de mandato, mas isso não garante uma vantagem clara para os opositores. Caso a eleição de 2026 se dedique à temática da mudança, poderá haver um fenômeno semelhante ao de 2018, com a distinção de que Bolsonaro já é considerado parte do sistema. O espaço para a emergência de uma versão brasileira de Javier Milei se mostra disponível.
