É um fato histórico amplamente reconhecido que Yasuke foi um jovem negro que prestou serviços ao senhor feudal japonês Oda Nobunaga no século XVI. Acredita-se que sua origem seja de Moçambique, embora haja teorias que sugerem outras partes da África. Ele chegou ao Japão em 1579, trazendo consigo as influências culturais e religiosas do jesuíta italiano Alessandro Valignano, que liderava missões nas Índias. A impressionante estatura, força e aparência de Yasuke chamaram a atenção de Nobunaga, que o integrou a seu grupo de confiança, reconhecendo-o como um valioso guerreiro ao longo do tempo. Yasuke é muitas vezes considerado o primeiro samurai de origem estrangeira, embora essa classificação seja um ponto de intenso debate acadêmico. Independentemente das controvérsias, sua história se tornou uma fonte de inspiração para diversas mídias, incluindo livros, filmes, séries e videogames.
No jogo Assassin’s Creed: Shadows, o 14º título da renomada franquia de ação e aventura da Ubisoft, Yasuke é uma das duas opções jogáveis, caracterizando-se por um estilo de combate baseado em força bruta e habilidades com a espada. A outra personagem jogável é Naoe, uma shinobi ágil que utiliza suas habilidades de furtividade para executar assassinatos silenciosos. Embora a Ubisoft tenha elevado expectativas em relação ao jogo, a forte resistência do público japonês foi inesperada, resultando em atrasos na data de lançamento, que foi adiada de novembro de 2024 para março do ano seguinte. Essa controvérsia emerge de um conflito cultural significativo.
Durante a convenção Forward da Ubisoft em Los Angeles, em junho do ano passado, o clima estava tenso antes mesmo da apresentação do primeiro vídeo de gameplay de Shadows. O motivo da discordância estava relacionado à representação de Yasuke como um assassino habilidoso, considerado historicamente impreciso e desrespeitoso para com a cultura japonesa. Críticos apontaram que os desenvolvedores extrapolaram as liberdades criativas, priorizando aspectos contemporâneos em detrimento da autenticidade histórica. O produtor da Ubisoft, que trabalhou no projeto por quatro anos, reconheceu a existência de um debate em torno do personagem e enfatizou a colaboração com historiadores para moldar sua relação com Nobunaga.
No entanto, essa atenção aos detalhes parece não ter sido suficiente, pois as críticas sobre distorção cultural e desrespeito à história se intensificaram. Cenas em que Yasuke destrói um santuário, juntamente com imprecisões na representação dos samurais, foram particularmente controversas. Além disso, o uso não autorizado de símbolos, como a bandeira de um grupo milenar e o design da katana, elevou ainda mais a discordância. Há acusações que, de forma infundada, vinculam a construção do personagem Yasuke a uma suposta “postura woke”. O assunto ganhou repercussão até mesmo com comentários públicos, incluindo uma postagem de Elon Musk.
A Ubisoft tentou mitigar a frustração do público japonês por meio de um comunicado oficial ressaltando os cuidados tomados durante a produção. No entanto, essa declaração não foi suficiente para acalmar os ânimos. A empresa afirmou que o objetivo nunca foi retratar os jogos da franquia Assassin’s Creed, incluindo Shadows, como representações factuais da história, mas sim despertar a curiosidade dos jogadores. Para atender às preocupações do público japonês, a versão do jogo será lançada com censura em relação a cenas de mutilação.
Esse embate, que agora se manifesta em um jogo, destaca uma problemática contemporânea mais ampla, envolvendo discussões essenciais acerca do respeito às origens. A utilização indevida de estereótipos pode resultar em xenofobia, e deve-se ter em mente que a pesquisa rigorosa é crucial. Ademais, a franquia Assassin’s Creed já enfrentou outras polêmicas no passado, como em 2014, quando o capítulo Unity foi criticado por retratar de forma sanguinária personagens da Revolução Francesa. Em 2017, Assassin’s Creed Origins recebeu críticas pela representação imprecisa da Batalha de Actium, levando a Ubisoft a atualizar o jogo, permitindo que os jogadores escolhessem entre diferentes versões da batalha. Obviamente, a necessidade de pesquisa aprofundada permanece fundamental, assim como evitar generalizações. É importante lembrar que o Brasil, por exemplo, não é somente o “país do Carnaval”, embora essa festividade seja bastante conhecida.