O governo anunciou um projeto que busca isentar do imposto de renda os indivíduos que recebem até 5 mil reais mensais, além de propor uma redução para aqueles que ganham entre 5 e 7 mil reais. Essa proposta suscita diversas questões críticas.
Primeiramente, a proposta levanta a indagação sobre por que a classe média, que possui um status econômico relativamente privilegiado, deveria ser isenta do imposto de renda em um país onde a população mais pobre constitue a maioria e já enfrenta uma carga tributária desproporcional.
Em segundo lugar, abrir mão de arrecadação em um contexto de crise fiscal pode ser uma medida contestável, pois pode minar a confiança no governo e gerar uma percepção negativa no mercado. Embora o governo tenha afirmado que pretende compensar a perda de arrecadação com um aumento de impostos sobre os muito ricos, a prática atual demonstra que os indivíduos de alta renda já pagam uma quantidade proporcionalmente baixa de impostos. Isso leva à questão de por que a isenção de imposto deveria ser aplicada à classe média em vez de se focar somente no aumento da tributação dos mais ricos.
Adicionalmente, ao se propor uma redução em um setor da arrecadação e um aumento em outro, é previsível que a redução se concretize, enquanto o aumento pode ser incerto. Existe uma alta probabilidade de que a proposta encontre resistência no Congresso, e há a possibilidade de que os afetados busquem recorrer à Justiça, resultando em uma perda líquida de arrecadação.
Outro ponto crucial é que a discussão sobre a tributação de dividendos deve necessariamente incluir o imposto de renda das empresas, pois ambos estão interligados. Atualmente, os dividendos são isentos devido à elevada tributação sobre os lucros das empresas. Assim, qualquer aumento na tributação de dividendos deveria estar acompanhado de uma diminuição na carga tributária das empresas.
A proposta também foi elaborada de forma apressada, sem a consideração de possíveis consequências imprevistas, conhecidas como externalidades negativas. A introdução de um imposto sobre os dividendos sem a redução da tributação empresarial pode desincentivar a atividade produtiva, além de que a injeção de recursos para a classe média pode gerar pressões inflacionárias.
Um dos maiores desafios na arrecadação são os diversos benefícios e isenções concedidos a ricos e empresas, muitos dos quais foram instituídos por administrações anteriores. Embora o governo se proponha a reduzir essas isenções, a proposta é questionável por buscar transferir esse recurso à classe média.
O sistema tributário nacional é complexo e desorganizado, com frequentes adaptações que geram confusão. Recentemente, houve uma reforma que visou simplificar a tributação do consumo. No entanto, a atual proposta representa uma oportunidade perdida para uma reforma ampla da tributação da renda, e ainda pode tornar o imposto de renda mais complicado.
Por fim, há uma falta de compreensão, por parte do governo, sobre o significado da tributação. O Estado deve ser sustentado por todos os cidadãos, em proporções que reflitam sua capacidade de contribuição. A diminuição do número de contribuintes, de 30 milhões para 20 milhões, não é apenas uma questão fiscal, mas uma ameaça à noção de cidadania.
Ainda assim, o governo atual parece priorizar a popularidade junto a um segmento do eleitorado que não os apoiou anteriormente. Vale ressaltar que, se a proposta for aprovada, seus benefícios se restringirão principalmente a trabalhadores formais, deixando mais da metade da força de trabalho, que atua na informalidade, sem vantagens.