Próximo de completar 100 dias à frente da Casa Branca, o presidente dos Estados Unidos implementou uma política de tarifas elevadas, que gerou impactos significativos na economia. Essa abordagem desestabilizou o mercado de ações e afetou a cotação de ativos considerados seguros em momentos de crise, como o dólar e os títulos do Tesouro.
Antes da posse do presidente, analistas financeiros previam um cenário de desaceleração controlada na economia americana, que permitiria ao Federal Reserve reduzir as taxas de juros. No entanto, essas expectativas mudaram radicalmente. Presentemente, os prognósticos se limitam a duas possibilidades: uma leve recessão, seja neste ano ou em 2026, beneficiando a redução das taxas, ou o retorno a um estado de estagflação, um cenário de estagnação econômica associado a inflação elevada e alto desemprego.
A incerteza em relação aos efeitos das tarifas na economia interna é a razão pela qual os analistas hesitam em definir um desfecho. Os mercados de ações indicam um alerta para uma possível recessão, enquanto os mercados de bonds sinalizam preocupações inflacionárias. O Goldman Sachs, reconhecido por suas previsões precisas, agora projeta um crescimento do PIB de 0,5% neste ano, o que evitaria uma recessão, mas de forma bastante ajustada.
Essa expectativa foi formulada após o primeiro aumento nas tarifas, anunciadas em abril, e assume que as tarifas se aplicariam a todos os países, com uma média de 15 pontos percentuais. No entanto, essa taxa está distante da sobretaxa de 150% imposta semanas depois sobre as exportações chinesas, um dos principais parceiros comerciais dos EUA.
A estratégia do governo, marcada por anúncios seguidos de recuos, gerou insegurança nas empresas, levando muitas delas a adiar investimentos. Os consumidores, por sua vez, mostram-se preocupados com possíveis efeitos inflacionários decorrentes das novas tarifas. Um estudo recente, realizado pela Apollo, uma proeminente gestora global de ativos, indica uma probabilidade de 90% de que os EUA entrem em recessão.
Intitulado “A recessão da redefinição voluntária do comércio”, o relatório do economista-chefe da gestora, Torsten Slok, apresenta um histórico do caminho da economia americana em direção à recessão, relacionando-o à reação do varejo após o anúncio das tarifas. O estudo revela que as expectativas de lucro das empresas estão em queda, enquanto o número de pedidos e investimentos em novos equipamentos também diminui. As vendas de caminhões pesados caíram para seu nível mais baixo desde o início da pandemia, e a confiança dos CEOs é a mais baixa desde a crise financeira de 2009.
De acordo com a pesquisa, espera-se que o fluxo de navios porta-contêineres da China para os EUA diminua significativamente nas próximas semanas, devido às tarifas impostas. A demanda por transporte rodoviário deverá sofrer uma queda brusca até o final de maio, resultando em demissões tanto no setor logístico quanto no varejo, o que poderia precipitar a recessão até o final do ano.
Os dados ainda mostram que a confiança do consumidor atinge níveis alarmantes, assim como o setor de turismo internacional, agravado por temores relacionados ao desemprego. Muitos americanos preveem um aumento nas taxas de desemprego, superando até mesmo os índices dos períodos mais críticos da pandemia. Segundo Slok, uma guerra comercial representa um risco potencial de estagflação: “Enquanto essa guerra comercial perdurar, a possibilidade de estagflação é altamente provável.”
Recentemente, outra pesquisa do J.P. Morgan revelou um aumento da preocupação com a estagflação em relação à recessão. Três em cada cinco entrevistados acreditam que a economia dos EUA deve estagnar e que a inflação ficará acima da meta de 2% estabelecida pelo Federal Reserve. Além disso, muitos preveem que o euro se valorize, atingindo US$ 1,11 ou mais até o final do ano, refletindo uma desvalorização do dólar americano.
Historicamente, a última recessão leve nos EUA ocorreu em 2001, e não houve perturbações financeiras tão acentuadas como nos casos de 2008 e 2020. A possibilidade de que as tarifas elevadas do governo atual resultem em estagflação, após várias décadas, causa apreensão na população. A experiência com a estagflação vivida no passado foi traumática, marcada por choques inflacionários e elevadas taxas de desemprego.
O dilema da estagflação é um cenário complexo, difícil de superar. Entre 1969 e 1982, os EUA enfrentaram quatro recessões, das quais três foram severas. As recuperações subsequentes apresentaram crescimento fraco, mantendo os preços em ascensão mesmo durante os períodos de recessão. Esse cenário desestabilizou a política americana, com presidentes lutando para aplicar medidas extremas a fim de conter a inflação sem aumentar o desemprego.
A guerra comercial do governo atual, portanto, pode promover uma intervenção crescente na economia, como subsídios para setores favorecidos, pagamentos a agricultores e uma crítica maior à autonomia do Federal Reserve. Essa situação caracterizaria uma ironia ao se considerar que a promessa de “Tornar a América grande novamente” poderia indicar o início de um governo responsável por causar a estagflação nos EUA após cinco décadas.