Engenheiro civil de formação, Fernando Machado, de 75 anos, compartilha sua visão sobre a escrita como atemporal. Seu novo livro, intitulado “Gastura”, publicado pela editora Labrador, entrelaça suas memórias pessoais com eventos históricos significativos, como a chegada da televisão ao Brasil em 1950, a Guerra Fria e as preocupações com o bug do milênio no início dos anos 2000. Em uma entrevista, Fernando discute suas experiências com o alcoolismo e recorda seu tempo na faculdade durante a ditadura militar brasileira, um período que, segundo ele, traz boas recordações.
O termo “gastura” foi escolhido por Fernando como um reflexo de uma memória que ele preserva há 50 anos. Durante um trabalho em Salvador, uma funcionária, que aparentava estar triste, chamou sua atenção. Quando ele perguntou sobre o que a incomodava, ela se referiu a uma “gastura”, expressão que ficou gravada em sua mente ao longo dos anos.
O nome do livro, “Gastura”, surgiu após um período de terapia psicológica iniciado em 2018. Ao longo de dezoito meses de sessões, Fernando começou a anotar suas reflexões, o que resultou em um compêndio de eventos relevantes para ele e para o mundo. Desde esse processo, a ideia de transformar essas anotações em um livro se concretizou.
Fernando descreve a escrita como um meio de libertação e autoconhecimento. Seu livro abrange uma linha do tempo que vai desde o seu nascimento, passando pela Primeira e Segunda Guerras Mundiais, até o bug do milênio, incorporando fatos que o impactaram pessoalmente e que também tiveram relevância histórica.
Durante o período do golpe militar, ele percebe que foi um tempo de intensa atividade para muitos estudantes, especialmente na faculdade onde estudava. Ele relembra a sorte de sua geração, com oportunidades de emprego em alta e a busca por trabalho sendo predominante nas discussões entre colegas.
Fernando menciona que sua experiência na faculdade foi marcada por uma convivência entre correntes políticas divergentes. Estudando na Mackenzie, e mantendo um relacionamento com uma estudante da USP, ele se viu em meio a uma dinâmica de opostas. A radicalização de sua namorada acabou resultando em uma separação, motivada por diferenças políticas.
Ele recorda que a época, apesar dos desafios impostos pela censura e perseguições, foi também um período de criatividade e produção intelectual. Recentemente, assistiu a uma obra que revisita acontecimentos daquele tempo, lembrando que, embora houvesse tensões, a maioria da população estava alheia à violência.
Sobre a ditadura militar, Fernando considera que, embora os eventos tenham se tornado parte do passado, eles ainda precisam ser discutidos e lembrados. Ele coloca em perspectiva que essas experiências estão entrelaçadas na história global de revoluções e mudanças sociais.
O autor divide ainda a dor causada pelas perdas de seus filhos, descrevendo isso como um momento decisivo em sua vida. As experiências traumáticas de perder filhos, somadas a outros fatores, impactaram profundamente seu casamento e sua vida familiar.
Após esses eventos trágicos, ele enfrentou uma luta contra o alcoolismo, que o afetou de forma gradual e devastadora. Fernando descreve a progressão da doença e como ela o levou a situações perigosas até que optou por buscar ajuda.
O processo de tratamento foi um divisor de águas para Fernando, que aprendeu que a recuperação requer ação. Desde 1992, ele se comprometeu a não beber mais, e tem mantido essa sobriedade com esforço e resiliência ao longo dos anos.
Ele reflete sobre sua experiência como pai e os desafios que enfrentou nesse papel. Mesmo com os erros do passado, sente que parar de beber proporcionou uma nova visão e capacidade de conexão com seus filhos. Ele admite ter dificuldades com situações sociais, mas se esforça para ser um suporte e mentore para os jovens ao seu redor.