Um estudo publicado na revista Restoration Ecology identificou indicadores eficazes e valores de referência que podem orientar projetos de restauração ecológica em campos naturais e savanas. A restauração ecológica é um processo que visa recuperar ecossistemas danificados ou degradados, com foco na recuperação de suas funções ecológicas e da biodiversidade que foi perdida ao longo do tempo. Dado que existe uma lacuna no conhecimento sobre a restauração de ecossistemas abertos, como campos naturais e savanas, a pesquisa procura contribuir para uma avaliação mais segura do êxito em projetos que envolvam esses ambientes.
Os pesquisadores, oriundos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), obtiveram dados a partir da análise da estrutura, diversidade e composição da vegetação em 14 áreas remanescentes do Cerrado, localizadas em diversos estados, como São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás. Essas áreas apresentam diferentes condições de clima, solo e incidência de fogo. Os fatores analisados incluíram a composição da comunidade de plantas, a riqueza de espécies, a cobertura do solo e a biomassa acima do solo. As áreas analisadas são consideradas ecossistemas de referência, pois nunca foram perturbadas, servindo como modelo para a elaboração de projetos de restauração.
A definição de um ecossistema de referência é crucial para avaliar a distância entre um ambiente degradado e o estado íntegro. O conhecimento sobre a composição de espécies e a estrutura dos campos naturais permite, por exemplo, evitar a introdução de espécies inadequadas, prevenir a classificação incorreta de áreas e detectar a invasão de espécies exóticas, possibilitando a adoção de medidas corretivas.
A pesquisa também buscou abordar a escassez de conhecimentos científicos sobre os ecossistemas abertos. O estudo destaca que, embora todos os biomas sofram com mudanças ambientais causadas pela ação humana, campos e savanas são frequentemente negligenciados em estratégias de conservação e restauração. Esses ecossistemas enfrentam diversas ameaças e, somente em 2023, mais de 1,1 milhão de hectares foram perdidos, conforme dados da rede MapBiomas. Além disso, a falta de protocolos e avaliações sistemáticas das técnicas de restauração tem resultado em falhas que comprometem o meio ambiente.
Os resultados do estudo indicaram que a definição de metas realistas para a restauração de ecossistemas abertos é complexa, devido à variabilidade da vegetação e à escassez de estudos abrangentes. Embora a elaboração de um ecossistema de referência seja necessária, alcançar todos os valores ideais pode ser inviável. A diversidade entre os campos naturais implica que um ecossistema de referência considere essa variação; assim, se um campo restaurado se enquadrar dentro desse espectro, pode ser considerado adequado.
Existem, ainda, indicadores de maior e menor confiabilidade na avaliação do sucesso de projetos de restauração. Alguns indicadores podem não refletir a complexidade dos processos ecossistêmicos de maneira precisa, como a composição florística e a biomassa aérea, que é suscetível a variações temporais e condições ambientais. Em contrapartida, indicadores mais robustos incluem a proporção da forma de crescimento e a riqueza de espécies por metro quadrado.
Apesar de valores de referência serem estabelecidos, não garantem que indicadores sejam adequados para determinar a restauração de um ecossistema. Exemplo disso é a biomassa aérea, que pode não ser um bom indicador em ecossistemas sujeitos a incêndios, como os campos do Cerrado. Observações realizadas após queimadas podem resultar em baixa biomassa, não refletindo a saúde do ecossistema. Este fator ressalta a importância de evitar interpretações equivocadas em relação ao sucesso da restauração.
Limitações foram observadas quanto ao uso da lista de espécies para a restauração, uma vez que muitas espécies foram registradas em apenas um local, indicando uma distribuição restrita. Desta forma, não existe um conjunto fixo de espécies que possa ser aplicado a todas as áreas de Cerrado. A restauração deverá considerar a utilização de espécies nativas regionalmente disponíveis, respeitando a diversidade das formas de vida.
A pesquisa também revelou que um campo restaurado deve manter cerca de 20% de solo exposto, enquanto 80% precisam ser cobertos por uma combinação de espécies nativas que incluam gramíneas, ervas, arbustos e subarbustos que tenham a capacidade de rebrotar após queimadas. Adicionalmente, a cobertura das copas das árvores e a biomassa não devem ultrapassar os limites máximo registrados em ecossistemas naturais de referência.
Os campos naturais e as savanas encontram-se ameaçados pela conversão de terras, mudanças climáticas, supressão do fogo, levando ao adensamento lenhoso, e invasão de espécies exóticas. Uma das maiores ameaças, conforme mencionado, é a falta de conhecimento sobre a estrutura e a biodiversidade desses ecossistemas, resultando em erros em projetos de restauração, como o plantio inadequado de árvores ou a classificação errônea de campos naturais.
Erros como os descritos podem ser evitados por meio da adoção dos valores de referência e indicadores estabelecidos no estudo que, por sua vez, propõe um avanço no conhecimento sobre a restauração de ecossistemas abertos. Essa pesquisa contribui de maneira significativa para a formulação e implementação de políticas públicas voltadas à restauração e conservação do Cerrado. Os indicadores fornecem uma base científica para orientar decisões, garantir eficácia e monitorar a evolução de projetos de restauração.
Embora os indicadores e valores de referência sejam fundamentais, a preferência deve ser pela conservação dos ecossistemas campestres existentes, em vez de sua conversão para usos agrícolas ou florestais. O investimento na conservação é essencial, uma vez que os esforços de restauração não conseguem recuperar todos os atributos e a complexidade de ecossistemas não perturbados. Portanto, as estratégias de conservação são indispensáveis para garantir a proteção desses ecossistemas, cuja biodiversidade e funções ecológicas são únicas.