Concentrado no aproveitamento de energia solar por meio de painéis fotovoltaicos instalados em telhados, o setor de Geração Distribuída (GD) superou a marca de 35.420 megawatts (MW) de capacidade instalada em 2024, equivalente à potência de duas usinas hidrelétricas de Itaipu. Esse aumento representa um crescimento de 33% em relação ao ano anterior, com a adição de 779 mil novas conexões em todo o Brasil, consolidando a energia solar como a segunda maior fonte na matriz energética nacional, atrás apenas das hidrelétricas.
Entretanto, esse crescimento expressivo da GD tem gerado preocupações para o setor elétrico, devido ao surgimento de um fenômeno conhecido como “energia lunar”. Este termo se refere ao excesso de energia solar que é injetado na rede de distribuição, o que gera um efeito indesejado. Como consequência, distribuidoras de energia, principalmente em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, têm imposto restrições, autorizando o envio de energia solar excedente para a rede apenas entre 19h e 5h, a fim de evitar sobrecargas no sistema.
O problema da “energia lunar” acontece em circunstâncias específicas, como durante o pedido de conexão de projetos fotovoltaicos ou na ampliação de conexões já existentes. As distribuidoras devem considerar a capacidade da rede na região onde a energia será injetada, para assegurar que não ocorra sobrecarga, interrupções no fornecimento ou desequilíbrios de tensão. Estudos realizados pela Frente Mineira de Geração Distribuída (FMGD) indicam que, no último ano, aproximadamente 1.200 empresas do setor de energia solar em Minas Gerais tiveram seus pedidos de conexão negados pela Cemig, resultando em prejuízos de R$ 4 bilhões em projetos não realizados.
O termo “energia lunar” ganhou destaque recentemente após a divulgação de um vídeo por um influenciador digital, que foi amplamente compartilhado por políticos mineiros. O uso do termo é irônico, não havendo a possibilidade de transmissão de energia solar durante a noite. Para contornar o problema, o uso de baterias de armazenamento poderia ser uma solução, mas os custos envolvem um retorno financeiro que nem sempre é vantajoso para os proprietários de sistemas residenciais.
O crescimento da GD é, em parte, impulsionado por subsídios que custaram mais de R$ 10 bilhões em 2024, arcados pelo consumidor comum nas contas de energia. Contudo, essa sobreoferta de energia tem levado ao aumento da inversão de fluxo de potência, que ocorre quando a geração de energia ultrapassa a demanda, especialmente durante picos de produção solar, como ao meio-dia.
Esse fenômeno é mais pronunciado em Minas Gerais, onde incentivos fiscais têm atraído muitas instalações de painéis solares e fazendas solares, uma modalidade de negócio que está em ascensão neste setor. As fazendas solares têm se concentrado principalmente nas regiões norte e noroeste do estado, onde a disponibilidade de terrenos a preços acessíveis favorece a implantação dessas usinas.
A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) argumenta que a rede da Cemig, nessas regiões rurais, não foi projetada para suportar a carga das usinas solares. Assim, a Cemig condiciona a aprovação de novos projetos de GD ou a ampliação de projetos existentes à injeção do excedente durante a noite, quando não há risco para a rede, ou limita o consumo ao local da instalação dos painéis.
Embora a Abradee afirme que esse problema se limita a áreas remotas, Toniangelo Vieira, diretor da FMGD e empresário no setor de energia solar, observa que ele também afeta regiões urbanas. Vieira relata que sua empresa, T8M Energia Solar, teve 10% dos 250 projetos apresentados reprovados, o que levou à redução pela metade de sua equipe. Ele critica a regra, enfatizando que as usinas de grande porte, como as fazendas solares, não deveriam ser comparadas às pequenas instalações residenciais.
Além disso, muitos novos projetos de usinas solares estão sendo bloqueados, mas várias empresas estão buscando alternativas legais para contornar as restrições. O fenômeno “energia lunar” pode ser entendido como uma expressão local do problema de cortes de energia conhecido como curtailment, aplicado pelo Organizador Nacional do Sistema (ONS), que controla exclusivamente a energia gerada por grandes usinas conectadas à transmissão nacional.
Este fenômeno é um reflexo do crescimento desordenado da GD, que movimenta um mercado de R$ 140 bilhões e continua em expansão. O modelo comercial das fazendas solares, que geram R$ 40 bilhões, permite que consumidores aluguem parte da energia produzida a preços com 15% de desconto nas contas de luz, sem necessitar de instalações individuais.
Entretanto, os desafios associados à sobreoferta de energia não são novos, mas têm se intensificado ao longo dos últimos dois anos. Desde a regulamentação da Lei 14.300/2022, o setor tem recebido queixas sobre a atuação das distribuidoras. A lei permite que as concessionárias neguem pedidos de conexão devido a supostos riscos de sobrecarregamento da rede, mas também impõe a obrigação de estudar e modificar projetos apresentados, antes de rejeitar pedidos.
Além disso, há denúncias sobre possíveis conflitos de interesse, uma vez que distribuidoras de energia atuam como comercializadoras através de empresas do mesmo grupo. No contexto do crescente número de pedidos, a Cemig afirmou, em comunicado, ter recebido 84 mil orçamentos de conexão em 2024, sendo que 83% foram aprovados sem restrições de horário. Contudo, especialistas do setor indicam que as maiores dificuldades estão concentradas em projetos de fazendas solares, que frequentemente requerem estudos adicionais devido à sua capacidade operacional.
Por fim, a vice-presidente da Absolar reconhece que, à medida que a GD cresce, as limitações técnicas para a instalação de painéis solares aumentam. Reclamações têm sido registradas não apenas em Minas Gerais, mas também nas regiões atendidas pela CPFL, que opera no Rio Grande do Sul e em áreas de São Paulo. A CPFL, por sua vez, ressalta o cumprimento das normas regulatórias para garantir a segurança operacional.