Nas discussões sobre segurança pública, é comum ouvir que o crime frequentemente se adapta e inova para escapar da repressão. Um caso recente exemplifica essa dinâmica: a Polícia Judiciária de Portugal interceptou um submersível nas proximidades das ilhas dos Açores, que havia saído do norte do Brasil. Na embarcação foram encontrados três brasileiros, um colombiano, um espanhol e 6,5 toneladas de cocaína. Segundo as autoridades, essa carga seria distribuída por diversos países da Europa, o que levou a polícia a considerar a ação como o maior confisco marítimo de drogas na Europa.
Essa apreensão resultou de uma colaboração investigativa entre a Europa e o Brasil, evidenciando a eficácia desse tipo de operação. No dia 31 de maio, a Marinha, a Força Aérea Brasileira e a Polícia Federal também descobriram um submarino clandestino na cidade de Chaves, no arquipélago de Marajó, no Pará. Apesar da ausência de detenções, foi identificado que se tratava de uma embarcação rudimentar, com 18 metros de comprimento e 25 toneladas, aparentemente preparada para cruzar o Oceano Atlântico. Embora não transportasse carga de drogas no momento da apreensão, suas características indicam que poderia ser utilizada para o transporte de cocaína do Brasil para a Europa ou para a costa norte da África.
Em fevereiro de 2024, pescadores de São Caetano de Odivelas, no Pará, descobriram uma embarcação abandonada com características semelhantes. Um aspecto comum entre esses novos meios de transporte de droga é a sua precariedade. No caso do submersível interceptado perto dos Açores, as imagens divulgadas pelos agentes mostram um espaço limitado, inadequado para acomodar confortavelmente as pessoas e itens essenciais. A Marinha informou que as informações disponíveis ainda não possibilitam uma avaliação clara sobre a autonomia, capacidade de armazenamento e número de tripulantes desses barcos, classificados como “semissubmersíveis” por especialistas.
Após as recentes apreensões, os investigadores brasileiros estão empenhados em descobrir qual organização criminosa está por trás dessa estratégia. Embora o acabamento desses veículos seja rudimentar, sua construção requer conhecimento técnico. Suspeita-se da participação do Primeiro Comando da Capital (PCC) em colaboração com grupos europeus, como a ‘Ndrangheta, uma máfia italiana especializada em narcotráfico. A Câmara dos Deputados, por meio da sua Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, requisitou informações ao governo português, que deu o nome de “Nautilus” à investigação sobre essas embarcações, referência ao submarino fictício do romance “Vinte Mil Léguas Submarinas”, de Júlio Verne.
Os submersíveis utilizados pelo tráfico são projetados para navegar logo abaixo da superfície da água, o que os torna difíceis de detectar por radares e vigilância visual. Essa característica é vantajosa, especialmente considerando o aumento da fiscalização nos principais portos da Europa. O uso de submersíveis por organizações criminosas brasileiras é uma prática recente, sendo que a apreensão no Pará foi a primeira visibilizada pela Polícia Federal. Contudo, existem precedentes em outros países, como a Colômbia, onde essa prática é comum no Oceano Pacífico. Pablo Escobar, um notório traficante colombiano, utilizou essas embarcações para transportar drogas aos Estados Unidos. Em 2024, a Guarda Costeira americana interceptou um submersível carregado com 2 toneladas de cocaína, avaliado em 50 milhões de dólares.
Com o pedido da Câmara ao governo português, busca-se entender o grau de cooperação internacional no combate ao crime organizado e identificar possíveis lacunas que comprometam a eficácia das medidas de repressão ao tráfico transnacional. A inovação dos grupos criminosos no Brasil contrasta com a lentidão observada na resposta do poder público. A descoberta do primeiro caso de tráfico submarino transatlântico serve como um alerta sobre a urgência de ações mais efetivas neste campo.