“É a condição básica da vida, ser obrigado a violar a própria identidade”, afirma Philip K. Dick em sua obra Blade Runner, publicada em 1968. A narrativa de ficção científica retrata um século 21 onde humanos coexistem com andróides autônomos, conhecidos como replicantes, cuja natureza artificial ou humana é incerta. Embora a realidade atual não reflita exatamente a visão do autor, as inteligências artificiais estão se tornando cada vez mais integradas à sociedade, levantando questões sobre a essência da humanidade. Para garantir a autenticidade dos usuários humanos, o CEO da OpenAI co-fundou uma startup que desenvolveu o Orb, um dispositivo que valida a humanidade através da digitalização da íris. Em contrapartida, o “humano verificado” recebe uma quantia em criptomoeda que pode ser utilizada globalmente.
O Orb é uma esfera com uma lente central, cujo funcionamento vai além de sua aparência. Desenvolvido pela empresa Tools of Humanity, a máquina transforma a íris única de cada ser humano em um registro de 12.800 dígitos binários. De acordo com informações da empresa, o Orb é um hardware de última geração projetado para o projeto Worldcoin, com o objetivo de validar a humanidade e a singularidade de maneira segura e com respeito à privacidade. Sensores especializados capturam os dados da íris individual e geram um selo de verificação que permite o uso de criptomoedas na rede de usuários verificados.
Por meio do Orb, é gerado um World ID a partir das imagens da íris, com dados enviados diretamente ao dispositivo do usuário. A empresa garante que todos os dados são apagados após a criação da identificação. Em regiões onde a legislação permite, os usuários verificados recebem tokens que correspondem a aproximadamente 42 dólares, creditados em uma carteira digital. Esses ativos virtuais podem ser utilizados para pagar taxas e acessar serviços na rede, disponível por meio de um aplicativo da iniciativa World.
Recentemente, em um evento em São Francisco, foram anunciadas parcerias do projeto com empresas como o Match Group, responsável por plataformas de namoro como Tinder e Hinge, com o intuito de verificar usuários e combater fraudes. Em 2025, está previsto o lançamento de um cartão de débito em colaboração com a Visa, inicialmente nos Estados Unidos. O país americano recebeu os Orbs no início deste mês, beneficiado pela maior flexibilização nas normas de criptomoedas sob a administração do governo Trump.
O uso do Orb é regulamentado no Brasil?
O Orb, disponibilizado em mais de cem países, chegou ao Brasil em 2024. Contudo, em fevereiro deste ano, a Tools for Humanity suspendeu suas operações em São Paulo, onde contava com mais de 40 pontos de escaneamento. A Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) determinou que a Worldcoin não poderia remunerar pessoas pelo registro de íris, em razão de violações à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Aqueles que completaram o procedimento antes da suspensão receberam até R$ 600.
Além do Brasil, países como França, Alemanha e Quênia emitiram alertas sobre a coleta de dados realizada pelos Orbs. As autoridades europeias iniciaram investigações sobre as práticas da Worldcoin. Já o governo do Quênia ordenou a suspensão dos escaneamentos em agosto de 2024 devido à falta de clareza no processo. Apesar das alegações da empresa sobre a utilização de criptografia avançada que tornaria a exportação de dados impossível, a startup atendeu às solicitações governamentais. Após investigações da polícia local, a Worldcoin foi autorizada a retomar suas atividades no país africano em setembro do ano passado.