14 abril 2025
HomeCiênciaUm Século de Poluição na Cidade: Uma Análise Reveladora

Um Século de Poluição na Cidade: Uma Análise Reveladora

A poluição por metais na cidade de São Paulo é evidenciada pelas camadas de sedimentos que se acumularam ao longo do último século. Por meio da paleolimnologia, que é o método utilizado para reconstruir mudanças ambientais passadas com base em amostras de sedimentos, pesquisadores realizaram um estudo sobre a poluição por metais na capital, utilizando amostras coletadas no Lago das Garças, localizado no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga. Os resultados desse estudo, publicados na revista Environmental Science and Pollution Research, mostram uma relação significativa entre a industrialização, o crescimento populacional e o aumento dos níveis de poluentes metálicos.

Os pesquisadores avaliaram as concentrações de oito metais, incluindo cobalto, cromo, cobre, ferro, manganês, níquel, chumbo e zinco, presentes no fundo do lago, que preserva registros sedimentares de cerca de cem anos. Segundo especialistas, os eventos que ocorrem em uma bacia de drenagem ficam registrados nos sedimentos aquáticos. O Lago das Garças foi escolhido para a coleta devido ao fato de nunca ter passado por dragagem, permitindo assim a preservação da sequência histórica na deposição de poluentes.

As amostras de sedimentos foram coletadas com a ajuda de mergulhadores, e os cientistas utilizaram cilindros verticais de material depositado para representar cada camada. Como a datação por carbono-14 não é aplicável a essas amostras mais recentes, a idade das camadas foi determinada por meio do isótopo chumbo-210, que possui uma meia-vida de aproximadamente 22,3 anos. Esse método possibilitou atribuir uma idade a cada camada de sedimento, de forma análoga a numerar páginas de um livro.

Os dados obtidos revelaram três grandes períodos na evolução da poluição por metais em São Paulo. As camadas que correspondem ao período pré-industrial, que vai até 1950, apresentaram baixas concentrações de metais, indicando um tempo em que a área era menos influenciada por atividades humanas. Esse reservatório foi criado em 1893 a partir do represamento do córrego do Campanário e foi utilizado para abastecimento de água até 1928.

Durante o período entre 1950 e 1975, foi observada uma progressão nos níveis de metais, atribuída a fatores como o aumento do tráfego aéreo no Aeroporto de Congonhas, que foi inaugurado em 1936, além do crescimento das indústrias no ABC Paulista e a urbanização descontrolada. A maior concentração de poluentes se verificou no período de 1975 a 2000, quando houve um aumento expressivo de metais como chumbo, níquel, ferro, cromo e cobre, coincidente com a instalação da Rodovia dos Imigrantes em 1974.

Um dos achados mais significativos do estudo foi a redução nos níveis de chumbo nos sedimentos após 1986, ano em que o Brasil proibiu o uso de gasolina com chumbo por meio de um programa de controle de emissões veiculares. A proibição do uso do chumbo como aditivo na gasolina resultou em uma diminuição mensurável de sua concentração nos sedimentos, demonstrando o impacto positivo de políticas ambientais.

Apesar da redução do chumbo, as concentrações de outros metais, especialmente cobalto, níquel e cobre, continuaram a aumentar nos anos 1990, possivelmente relacionados a mudanças nos processos industriais. As evidências indicam que uma siderúrgica próxima ao reservatório alterou sua produção de aço para artefatos metálicos, o que pode ter afetado o perfil de poluição dos metais.

Além de documentar a evolução da poluição por metais, o estudo ressalta a importância dos sedimentos como indicadores ambientais, considerando-os um arquivo que preserva as mudanças no meio ambiente ao longo do tempo. A análise de sedimentos pode ser uma ferramenta útil para guiar estratégias voltadas para a proteção e recuperação ambiental. Embora algumas melhorias tenham sido observadas, muitos metais ainda persistem nos sedimentos, constituindo um passivo ambiental. Os dados coletados podem ser utilizados para estabelecer metas de recuperação, visando reverter parte dos impactos da industrialização.

O estudo também propõe reflexões sobre as áreas de conservação, destacando que não é suficiente apenas designar uma área como preservada; é necessário controlar a poluição atmosférica e a deposição de poluentes nas áreas circunvizinhas para evitar os impactos continuados. Os resultados obtidos enfatizam a urgência de políticas públicas mais rigorosas para a redução da poluição industrial e veicular, além de ações de recuperação em ambientes contaminados. Essa análise histórica é crucial para compreender a trajetória da qualidade ambiental na cidade e para fundamentar decisões sobre seu futuro.

NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Publicidade -

NOTÍCIAS MAIS LIDAS

error: Conteúdo protegido !!